segunda-feira, 5 de julho de 2010

O Homem Faminto

Isaac Marion

Carl estava sempre faminto. Ele comia mais do que qualquer um que já tivesse conhecido e desejava cada refeição como se não tivesse comido em semanas. A cada ano ele ficava um pouco mais esfomeado. Ele tinha fome quando era criança, mas nada perto do que ele sentiria mais tarde.

Carl era pobre. Ele vivia em um apartamento sujo em uma vizinhança suja onde pessoas sujas faziam coisas sujas e todas as janelas possuíam grades. Ele tinha vivido neste bairro toda a sua vida. Quando era criança brincava nas ruas porque sua mãe nunca disse para não o fazê-lo. Ela nunca o avisou para olhar para os dois lados da rua, lavar atrás das orelhas ou não falar com estranhos porque eram coisas que ela simplesmente não tinha noção. Ela sempre tinha em mente álcool, drogas, dinheiro e cigarros e muito raramente pensava em Carl, então ele ia para a cama quase todas as noites sem ter jantado. Quando sua mãe o alimentava era com carne enlatada, hambúrgueres e produtos do Homem Faminto Alimentos Congelados porque ela não sabia que aquilo não era saudável e também porque ela não ligava para essas coisas. Carl ingeria tudo isso com litros e litros de refrigerante, apesar de sempre ter desejado poder comer alimentos saudáveis, mesmo que não soubesse como era o sabor deles. Às vezes quando estava sentado na clínica com sua mãe porque ela tinha ficado doente novamente, ele pegava a revista de alimentos e olhava para as imagens de medalhões de carne com bacon, risoto de cogumelo selvagem e creme brulee de laranja, olhava para elas e salivava como um monstro.

Quando Carl era adolescente sua mãe fora presa pelo uso de drogas e ele fora enviado para um lar adotivo. Uma vez por semana uma mulher chamada Sherry vinha para esta casa conversar com Carl. Sherry interrogava Carl com um monte de perguntas difíceis: ‘como você está se sentindo’ e ‘o que estava fazendo’ ou se os pais adotivos estavam sendo legais com ele. De primeira Carl não queria falar com Sherry, mas ela era linda e ele tinha uma quedinha por ela, então decidiu falar sobre algumas coisas, que ele estava se sentindo bem, os pais adotivos eram legais e que ele não estava fazendo nada. Então contou que estava faminto. Ela disse que estavam quase terminando e que depois poderia ir jantar, ele disse não, sua fome nunca terminava.

Mesmo sabendo que sua mãe não era legal Carl sentia saudade dela. Esqueceu que ela não era boa e apenas lembrou que era sua mãe, então desejou que ela fugisse da cadeia para que pudessem morar junto de novo. Quando Sherry conversava com Carl, ele fazia muitos pedidos. Queria que trouxesse sua mãe de volta, deixassem ambos sozinhos para que ela pudesse beijá-lo. Desejar todas essas coisas deixou-o com fome, então foi para a cozinha começar a comer. Seus pais adotivos ficaram um bom tempo observando-o comer porque ele comeu cinco sanduiches e uma pizza inteira.

Quando Carl estava na oitava série sua mãe saiu da prisão e Sherry agendou para eles visitas semanais. Carl encontrou sua mãe em uma pequena sala branca com uma mesa e cadeiras, eles sentaram lá e murmuraram um para o outro enquanto Sherry tomava notas em seu notebook. Carl desejou ter um também. Desejou que sua mãe dissesse que o amava. Desejou que ela tivesse trazido comida.

Quando a visita acabou a mãe de Carl não lhe deu um abraço e quando Sherry o levou nas visitas seguintes ela não estava lá. Carl e Sherry sentaram na sala e esperaram por uma hora, mas ela não apareceu, e na semana seguinte a mesma coisa. Então as visitas foram canceladas e depois de poucos meses a corte decidiu que a mãe de Carl nãoseria mais sua mãe. Ele continuou vivendo no lar adotivo até o dia em que ele ficou tão malvado que eles o chutaram para fora. Carl matou o gato do seu pai adotivo e o comeu. Ninguém podia imaginar o porquê dele ter feito isso, nem os pais, nem Sherry e nenhum dos conselheiros dela conseguiram saber por que tudo que Carl respondia a eles era que estava faminto.

Finalmente Carl virou um adulto e não poderia viver mais em lares adotivos, mesmo que se comportasse bem e não comesse coisas que outras pessoas não comiam. Ele conseguiu um emprego em um restaurante fast food, onde tirava algumas mordidas dos pedidos antes de servir para os clientes porque a hora do almoço demorava muito e ele não conseguia se controlar. O velho Carl estava mais faminto que antes e quando completou vinte e um anos estava tão esfomeado que só conseguia comprar comida. Ele era exatamente tão pobre quanto sua mãe fora e ainda morava no mesmo bairro sujo onde não havia bons empregos e todo mundo roubava de todos. Ele continuaria ali porque não sabia como sair. Precisava de todo o dinheiro do mundo pra comprar comida.

Apesar de comer mais do que qualquer um que conhecia Carl não ficava gordo. Ele era esquelético. Se respirasse fundo todas as suas costelas apareciam e quando flexionava os músculos nada acontecia. Às vezes ele comia três ou quatro refeições no lugar de uma. Comeria até sentir se cheio e então continuaria comendo até se sentir mal porque mesmo que seu estômago dissesse para parar, sua boca dizia para continuar comendo. Sua boca sempre tivera mais fome do que seu estômago.

Aos vinte e três anos Carl estava gastando mais em comida do que em qualquer outra coisa em sua vida. Gastava mais do que ganhava no trabalho, então pediu empréstimos em uma loja de financiamentos para poder comprar comida. Carl não sabia que era muito estranho comer cinco Homem Faminto Refeição Congelada no almoço e seis na janta, mas eventualmente seus amigos disseram que isso não era normal e que ele deveria ir ao médico.

Carl nunca for ao médico desde que sua mãe fora presa apesar de ficar doente com frequência. Não poderia pagar por uma consulta porque precisava de todo o dinheiro para comprar comida. Mesmo tendo vinte e três anos agora e sem estar em um lar adotivo, decidiu ligar para Sherry.

Sherry ficou confusa porque fazia muitos anos e supostamente Carl não deveria ligar mais, mas relembrando dele e lembrando que ele era um bom garoto e apesar de ter comido o gato, ela disse como ele deveria proceder para que o Estado pagasse a consulta médica. Mas quando encontrou o médico, nada de errado pode ser encontrado. O médico apenas disse que ele tinha um metabolismo rápido. Carl perguntou o que isso significava, o médico respondeu ‘significa que você é apenas faminto’. Então Carl foi para casa e comeu três Homem Faminto Refeição Congelada e ligou para o escritório de Sherry, mesmo sabendo que era tarde da noite. Quando a secretária eletrônica atendeu ele apenas suspirou por um tempo e ouviu o som de sua própria respiração.

Depois de alguns anos Carl tinha uma grande dívida e estava comendo mais do que nunca. Parecia que ele não sobreviveria mais um ano, mas então um dia ele ganhou na loteria. Não era realmente a loteria. Um homem rico o atropelou com o carro e quebrou suas pernas. Porque o homem rico estava bêbado, seus advogados deram a Carl um enorme cheque, suficiente para comprar comida por muitos anos, desde que Carl não pudesse mais andar, tudo o que ele poderia fazer era ficar sentado em sua sala de estar e comer, o que era tudo o que ele sempre quisera.

Quando o homem rico quebrou suas pernas Carl soube que finalmente sua sorte havia melhorado. Quando isso aconteceu ele caiu de costas e ficou olhando para o céu. O homem rico estava em pé sobre ele resmungando que sentia muito, ele sentia muito, mas Carl não estava escutando. O céu estava negro e havia estrelas brilhantes nele, mas havia muito mais escuridão do que estrelas. A escuridão era parecida com como Carl se sentia quando estava faminto. Sabia que tinha sido atropelado por um carro e provavelmente estava delirando, mas pensou ter ouvido um estrondo vindo da escuridão. Um ronco raivoso como um profundo e escuro estômago na vastidão do espaço o fez se perguntar se talvez houvesse coisas lá em cima tão famintas quanto ele.

A noite depois que ele ganhou o cheque do homem rico, assistir televisão era algo diferente. Quando a televisão mostrou bifes e caudas de lagostas ele sabia que poderia pagar por aquilo se quisesse. Quando apareceram roupas bonitas, sabia que poderia comprar aquilo também. Mesmo quando a televisão mostrou outras televisões maiores, sabia que poderia comprá-las. Mas havia coisas na televisão como carros, viagens e mulheres bonitas que ele ainda não poderia ter, então ele comeu mais dois Homem Faminto Refeição Congelada e foi dormir. Acordou no meio da noite com dor no estômago e teve que comer de novo.

Agora ele era menos pobre, poderia finalmente comer boa comida. Parou de comer cheeseburgers e comida congelada e começou a comprar bifes e caudas de lagosta. Foi a alguns bons restaurantes onde eles serviam risoto de cogumelo selvagem e creme brulee, quando eles trouxeram os pratos ele ficou pasmo com o tamanho mínimo deles. Aquilo era para bebês. Teria que comer dúzias daquilo para poder se saciar. Centenas. Então parou de ir nesses restaurantes e usou todo o dinheiro para comprar bifes e caudas de lagosta. Finalmente parou de comprar isso e começou a comprar cheeseburgers e comida congelada de novo, porque ele percebeu que não importava o que comia, precisava apenas comer.

As pernas de Carl melhoraram muito lentamente e o médico disse que levaria um grande período de tempo para que ele pudesse andar novamente, então Carl sentou em sua cadeira de rodas na sala de estar sentindo-se muito solitário. Ele pedia toda a comida pelo telefone e nunca saia de casa. Ele não poderia ficar em pé para se limpar e assim começou a feder. Geralmente não conseguia aguentar o seu próprio cheiro então girou as rodas da cadeira para o jardim da frente onde ventava. Fechou os olhos e deixou que o vento soprasse seu fedor pra longe e quando olhou para o céu claro e limpo deu-se conta de que era assim que se sentia por dentro.

Carl ligou para o escritório de Sherry. Ela lhe disse que não era bom que ele lhe ligasse. Ele disse para ela que estava se sentindo mal e que precisava de alguém pra conversar. Falou que não poderia resolver isso, mas que iria lhe dar o número de um dos conselheiros. Ele disse não, apenas ela resolveria. Sherry desligou o telefone.

Carl olhou para o gramado. Para a grama. Tinha almoçado cinco minutos atrás e já se sentia faminto de novo. Ultimamente sentia fome logo depois de ter comido. Quando a comida caia em seu estômago ele se sentia bem e sem fome, mas instantaneamente voltava a sentir frio e a dor voltava. Era como se tivesse um buraco dentro do estômago e não importava quanta comida despejava ali, tudo escoava imediatamente.

Carl afundou seus dedos na grama. Arrancou um naco de gramíneas escuras e lodosas com raiz e minhocas. Colocou aquilo na boca e comeu.

Um ano depois as pernas de Carl ainda estavam quebradas. O médico disse que elas já deviam estar curadas agora e que Carl devia estar fazendo algo errado. Carl disse que não estava fazendo nada de errado, mas o médico disse que era culpa de Carl e o mandou de novo para casa. Carl não podia andar, não podia trabalhar, não podia ganhar dinheiro, então depois de alguns anos ele ficou pobre de novo.

Quando o dinheiro acabou e a comida também e ele estava muitíssimo faminto Carl foi ao escritório do governo conseguir tickets de alimentação. Esperou em uma longa fila com dúzias de outras pessoas pobres enquanto os policiais ficavam na esquina os observando. Depois de esperar por muito tempo Carl percebeu que não era o único em cadeiras de rodas ali. Havia mais quatro pessoas como ele, elas pareciam tristes, solitárias e famintas. De repente Carl sentiu-se mais esfomeado do que nunca. Sua fome era tanta que ele precisava comer algo, então ele agarrou a mulher que estava em sua frente na para comer os seus dedos. A mulher gritou e quando um dos policiais veio impedir Carl de comer os dedos da mulher, Carl tentou comer os dedos do policial.

Carl foi preso. Policiais, advogados e conselheiros fizeram perguntas do porque tentar comer os dedos da mulher, mas tudo ele respondia era que tinha fome.

No fim decidiram que Carl era maluco. Eles o internaram em uma clínica psiquiátrica e Carl sentou em sua cadeira de rodas em uma pequena sala branca enquanto os médicos e conselheiros faziam um interrogatório. Mas eram as mesmas perguntas que os advogados e os policias tinham feito antes, ele não os respondeu. Não disse uma palavra se quer, apenas ficou ali sentado fixando os olhar nas paredes brancas da sala branca. As paredes eram completamente pálidas e mesmo pensando em diferentes cores elas lembravam a Carl a escuridão do espaço que relembrava o sentimento de fome, que era como ele se sentia o tempo todo, mesmo enquanto comia.

As pessoas da clínica psiquiátrica começaram a notar que Carl tinha algo de estranho. Algo mais estranho do que os outros pacientes. Notaram que Carl nunca ia ao banheiro.

Primeiro pensaram que ele estava constipado. Depois de uma semana perceberam que ele não tinha ido nenhuma vez. Ninguém podia entender isso porque Carl comia mais do que qualquer outro paciente. Logo depois do café da manhã ele gritava que estava com fome e quando davam mais comida ele comia e logo depois gritava que ainda estava com fome. Antes da hora do almoço Carl tinha acabado com quatro refeições. Então ele almoçava e comia mais quatro refeições antes da janta. Carl estava comendo onze refeições por dia e nunca ia ao banheiro. Ele estava tão esquelético que suas costelas eram visíveis mesmo quando não estava respirando.

Quando as pessoas da clínica perceberam quão estranho Carl era ligaram para muitos médicos e cientistas. Eles o examinaram por dias e dias, mas não conseguiram descobrir o que acontecia dentro de Carl. Tiraram raios x do estômago de Carl enquanto ele estava comendo e viam a comida desaparecer lentamente. Decidiram que ele estava digerindo a comida, o que era normal, mas ele digeria tudo, o que era estranho. Nada ficava para trás quando ele fazia a digestão, esse era o motivo de nunca ter ido ao banheiro. Isso confundiu os médicos e cientistas, a pior dúvida era pra onde tudo isso ia. Porque Carl continuava emagrecendo.

Quanto mais Carl comia mais ele emagrecia, e quanto mais magro ficava mais médicos e cientistas vinham para estudá-lo e fazer perguntas. Eram sempre as mesmas perguntas, sempre e sempre, então Carl não respondia nenhuma delas. Depois de ficar sentado na sala branca em silêncio as pessoas o espetaram com agulhas e o encheram de tubos, Carl se sentia tão solitário e faminto que pediu para conversar com Sherry. Os médicos e cientistas disseram que ele não poderia falar com Sherry, mas Carl disse que só responderia as perguntas se elas fossem feitas por ela. Eles disseram sim e trouxeram Sherry para a sala branca.

Sherry sentou em uma cadeira na frente de Carl. Havia tantos tubos e fios saindo de Carl que era difícil acreditar que ele ainda estivesse vivo. Sherry perguntou o porquê de Carl querer vê-la e ele pediu para que todos os médicos e cientistas os deixassem a sós. Eles disseram que não poderiam fazer isso, Carl disse que enquanto eles não saíssem não falaria com Sherry. Os médicos e cientistas se encararam, sussurraram e decidiram prender Carl em uma camisa de força com todos os tubos e fios saindo pela gola. Uma vez com Carl preso e sem poder se mover eles saíram deixando o sozinho com Sherry na sala branca.

Carl olhou para Sherry. Sherry perguntou o que Carl queria com ela. Carl olhou para Sherry. Sherry perguntou por que ele estava olhando para ela e Carl disse que era porque ela era bonita. Ela disse que não era bom que ele dissesse isso. Carl disse que ela também era legal. E esse era o motivo dele querer falar com ela, porque ela era simpática e tinha sido legal quando ninguém mais tinha sido, nem mesmo sua mãe.

Sherry perguntou para Carl se ele estava pronto para responder as perguntas que os médicos e cientistas estavam fazendo. Carl encarou Sherry. Sherry iniciou o questionário. O estômago de Carl roncou.

Todos os médicos e cientistas estavam em pé do lado de fora da sala branca esperando. Esperaram por dez minutos e bateram na porta dizendo que iriam entrar. Mas quando abriram a porta ficaram confusos, Carl estava sozinho. Sherry não estava mais ali. Ela tinha desaparecido.

Todos perguntaram a Carl o que havia acontecido com Sherry, mas ele não respondeu. Carl apenas sentou na cadeira de rodas em sua camisa de força com tubos e fios saindo pela gola e olhou para as paredes brancas. Eles continuaram fazendo perguntas, Carl disse que só diria onde Sherry havia ido se trouxessem sua mãe ali. Eles falaram que não sabiam onde sua mãe estava, mas Carl insistiu e sentencio que a única pessoal com que ele falaria sobre Sherry seria sua mãe. Os médicos e cientistas disseram para os policiais encontraram a mãe de Carl porque eles temiam que algo de mal tivesse acontecido com Sherry e estavam com muito medo de Carl.

A polícia levou muito tempo para encontrar a mãe de Carl porque ela estava morando em um prédio abandonado onde se drogava com outras pessoas e não tinha emprego, telefone ou carteira de motorista. A mãe de Carl tinha muita fome. Quando a polícia pediu para que ela fosse falar com Carl ela rejeitou, mas aceitou porque eles ofereceram comida em troca. Então eles deram a ela um cheeseburger e a levaram para a sala branca.

Carl olhou para sua mãe. Ela parecia muito mais velha do que ele lembrava. Carl disse oi para sua mãe e perguntou como ela estava, mas ela não respondeu. Ela não foi nada simpática para com Carl, não disse como estava ou o quanto o amava, apenas perguntou o que ele queria. Mesmo sabendo que a sala estava cheia de gente e todo mundo estava olhando para ele, Carl sentia se sozinho. Ele sentiu-se tão solitário que uma lágrima surgiu em seu olho, mas ninguém viu isso acontecer porque estavam olhando para as telas dos computadores ou para os equipamentos de onde saiam os tubos e fios que agora estavam em Carl. Então ninguém notou a lágrima voltar para dentro de Carl, o que teria salvado a todos de uma surpresa desagradável, apenas se tivessem prestado atenção.

Carl disse para os médicos, cientistas e policiais para abandonarem a sala, mas eles se negaram. Disseram que não saíram não importasse o que estivesse acontecendo. Carl disse ‘beleza’ e olhou para sua mãe mais uma vez. Ela o encarou e perguntou o que ele queria. A boca de Carl se abriu tanto que parecia um balão se estendendo através da sala até que pode engolir sua mãe.

Todos na sala gritaram do jeito que pessoas malucas gritam. Estavam aterrorizados de uma maneira que pessoas racionais não podem compreender, estavam tão amedrontados que palavras não poderiam descrever ou mesmo pensamentos porque não existe linguagem para isso, em nenhum lugar. Então todos na sala gritaram e berraram até que a boca de Carl engoliu a todos.

Carl estava sozinho na sala branca. Mas mesmo tendo comido todos ele estava mais faminto do que antes. Ele arrebentou sua camisa de força e a comeu. Comeu os tubos e fios como se fosse espaguete. Esmagou a cadeira de rodas e a comeu. Quando não sobrou mais nada na sala para comer ele comeu seu próprio braço. E seu outro braço. Suas pernas quebradas. Então Carl começou girar e contorcer-se de uma maneira que as pessoas não conseguem se arrastar e contorcer. Sua boca se esticou de novo e Carl comeu seu próprio corpo. Engoliu seu peito, seu pescoço, seu estômago barulhento e os cientistas finalmente puderam ver pela tela de vídeo o que havia dentro de Carl. Havia trevas. Depois que Carl terminou de comer o resto de seu corpo não havia mais nada, apenas escuridão, uma pequena bola flutuando no meio da sala branca. Carl estava faminto. Carl estava muito faminto. Havia tanto terror fluindo dentro dele, como um vazio profundo e infindável, que tivesse que preencher.

Então Carl comeu a sala branca. Carl comeu os médicos, cientistas e policiais que estavam do lado de fora. Carl comeu a clínica psiquiátrica e a cidade ao redor, todos os carros, televisões, mulheres bonitas, crianças desalmadas e mães desalmadas. Carl comeu a América. E Carl comeu o mundo. No entanto ele continuava com fome, mais fome, então Carl comeu o sol, a lua, os planetas e as estrelas. As estrelas dançavam ao redor de Carl na escuridão do espaço como se o convidassem, Carl não quis dançar, ele queria apenas comer porque ele estava esfomeado, apesar dele ter sido uma pessoa um dia, um garoto com esperanças e sonhos e necessidades humanas, agora ele não passava de um faminto e iria comer tudo.


Tradução para a língua portuguesa feita por Alex Bastos.

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