Douglas MCT (Douglas Marques Comito) tem atualmente vinte e quatro anos, nasceu em Socorro, interior de São Paulo e há quatro meses mora na capital. No momento faz a revisão final do seu livro NECRÓPOLIS – A Travessia da Fronteira das Almas, o primeiro de uma série de seis volumes (ou mais, espero).
MM: Olá Douglas, quero agradecer por aceitar esta simples entrevista com simpatia. Poderia nos contar quando descobriu que queria ser escritor.
Douglas MCT: Olá Alex. Eu que agradeço pela oportunidade desta entrevista. Não sei exatamente se “descobri”. Desenho desde os três anos de idade e até então imaginei que seria desenhista, mas já na infância criava os roteiros de minhas histórias em quadrinhos. Aos quinze anos, quando minhas leituras começaram a se direcionar mais para a literatura (que não somente quadrinhos), foi quando notei ter um interesse maior pela escrita, dentre os quais muitos contos. Já ganhei por duas vezes no Mapa Cultural Paulista, com contos que podem ser lidos em meu espaço no Recanto das Letras. Mas aos 11 anos me lembro de ter escrito um livro de suspense policial intitulado “Sherlock Douglas”, sei que soa cômico no momento, porém na época levei muito a sério e escrevi várias páginas, isso no embalo da leitura de “A Droga da Obediência”, no entanto acho que dei fim a este livro.
MM: Você é formado em quê e onde trabalha atualmente?
Douglas MCT: Não tenho formação, a não ser na vida. Trabalho desde os 13 anos como Designer Gráfico e atualmente atuo como Assistente de Arte da editora Escala, ao qual faço toda a diagramação e planejamento visual da revista “Filosofia – Ciência e Vida”. Fora isso, sou roteirista freela dos gibis da Turma da Mônica, há dois anos. Estou em outros projetos de roteiros para quadrinhos, mas que ainda não posso revelar. Também sou desenhista e faço trabalhos neste meio.
MM: Você acredita que a literatura brasileira tem chances de evoluir com a fantasia e o terror ou com dark-fantasy?
Douglas MCT: Eu creio que a literatura brasileira tem chances de evoluir em qualquer gênero, seja qual for. O lance é saber como direcionar essa chamada “literatura brasileira” de forma que ela seja tão atraente aos olhos dos leitores brasileiros, quanto são as obras estrangeiras. Sem contar com os autores brasileiros já consagrados, vejo que para que a tal “evolução” ocorra, uma boa jogada de marketing, divulgação e posteriormente distribuição é um dos pontos a serem atingidos, logicamente que com uma literatura de qualidade e que não seja apenas mais um “Harry Potter” ou na cola de códigos (seja do que for) ou segredos. Se o escritor brasileiro de primeira viagem fugir dessas modinhas, acho que ele atingirá o ponto certo. Focado na literatura de Fantasia e de Terror, acho que primeiro o autor tem de conhecer bem os gêneros, as obras e autores relacionados e saber a melhor forma de contar uma historia deste tipo, porque estes leitores são bem específicos e procuram por uma leitura a altura de livros semelhantes já lidos. Além do que, ultimamente têm sido lançados bons livros (ainda que poucos) destes gêneros, por autores brasileiros. E esse é só o começo.
MM: Qual o seu autor(es) e livro(s) preferido(s). Algum deles influenciou esta obra?
Douglas MCT: Tenho vários autores e obras prediletas. Mas no momento vou citar o que considero o “meu livro de cabeceira por anos”, que é a “Trilogia Fronteiras do Universo”, do mestre Philip Pullman. Ele é um escritor que sabe contar uma maravilhosa história de Fantasia, dosada com muito suspense, lances filosóficos e personagens cativantes e somado a isso, muitas idéias sobre o existencialismo, o que muito me atrai. Também adoro Henry James e o seu “A Volta do Parafuso” e Suzana Clarke (de “Jonathan Strange & Mr. Norrel”), dois autores que sabem fazer uma literatura gótica deliciosa, tenebrosa e que criam pesadelos por noites em qualquer leitor desprevenido. Neil Gaiman é sempre ótimo, qualquer coisa do Poe e dois recentes autores brasileiros de excelente qualidade: Leonel Caldela (“O Inimigo do Mundo” e “O Crânio e o Corvo”) e Otávio Aragão (“A Mão que Cria”). No entanto, outras mídias também me atraem e são fonte de inspiração, como quadrinhos, filmes, bons seriados, games, músicas e RPGs. Acho que sou muito eclético e multimídia.
MM: Fale-nos de AI – Amigos Imaginários, a importância deles para suas histórias e qual foi o seu?
Douglas MCT: Interessante pergunta. O conceito de Amigos Imaginários certamente que todos sabem não fui eu quem criou, mas estou os abordando de forma nunca antes vista (assim espero) em minha saga. Na revisão que comecei de Necrópolis este ano, resolvi acrescentar essa idéia dos AI, que é algo que todo ser humano teve na infância, mas que muitos hoje esqueceram, por algo que estou chamando de “síndrome contrária de Peter Pan”, que é aquela pessoa que cresce e simplesmente esquece de muita coisa da infância, ou dela completa. E ainda há os que lembram. Na saga Necrópolis, os AI só existem para os humanos da Terra (e não para os humanos necropolitanos), como se fosse algo normal, até estes atingirem os quinze anos de idade, que é quando a adolescência muitas vezes aflora e a inocência possui é que pode ver o seu AI, conversar e viver grandes aventuras. Não ter um AI é considerado algo terrível, como se fosse à falta de um membro ou sentido do corpo, mas aparentemente não há indícios disto na obra. Verne Vipero (o protagonista) tem vinte anos, mas ainda tem um AI, Chax. Muitos poucos têm esse “problema” e há quem creia que a pessoa não tenha crescido por completo e esse seria o motivo de ainda ter o AI, mesmo depois da idade que o finda. Muitos AI serão mostrados ou citados durante a saga e tem uma importância que não posso citar (sem ser spoiler) para o decorrer da trama.
MM: No prólogo notamos que há um estilo perturbador, algo com gostinho de Supernatural e O Exorcista. Você estudou demonologia, ritos de exorcismo e um pouco de latim?
Douglas MCT: O prólogo de Necrópolis é realmente forte para os padrões que aparentemente a obra seria direcionada. Mas aquele início já foi escrito para mostrar a real intenção da saga, de que não é leitura para crianças. Apesar de gostar do seriado “Supernatural”, não tive influência alguma deste. No entanto, quando fiz o “esqueleto” dos seis livros, planejei que pelo menos três ou quatro dos prólogos dos volumes seriam como uma “homenagem” a algum conceito ou obra. No primeiro volume eu “homenageio” filmes de terror (e especificamente de exorcismo), mas eu o faço à ‘minha’ maneira. No ‘meu’ conceito de exorcismo. Por mais que a leitura remeta a filmes como “O Exorcista” e “O Exorcismo de Emily Rose”, gostaria de ressaltar que existem idéias ali nunca antes vistas ou lidas em qualquer outro lugar. Eu já havia estudado demonologia há cinco anos e vi que “casaria” perfeitamente com o início deste primeiro volume. Para que tivesse mais verossimilhança ainda, eu também estudei ritos de exorcismo e algumas preces em latim, mas este não completamente, apenas o necessário. Agora uma “palhinha”: no segundo volume da saga, eu homenageio um conto-de-fadas muito famoso no prólogo, mas numa versão assustadora!
MM: Você acredita em vida após a morte ou em possessão? Já que são temas polêmicos.
Douglas MCT: Na verdade eu não creio em muita coisa. Sou cético desde os doze anos de idade e só creio no que a Ciência pode me explicar, do contrário não. No entanto, sempre achei alguns conceitos muito interessantes e que gostaria de algum dia explorar em meus escritos. E vida após a morte é realmente algo que me atrai muito e novamente digo que por mais que este tema já tenha sido explorado em muitas obras, nunca foi da forma que eu estou fazendo em Necrópolis. O niyan (que é um outro nome para alma) e a Travessia da Fronteira das Almas são criações minhas, assim também como algumas outras coisas que envolvem o mundo dos mortos. O lance da possessão fica somente no Prólogo e não sei se voltarei a explorar tal conceito nos futuros volumes, mas também acho muito interessante, por mais polêmico que seja.
MM: Você tem dois rascunhos, com títulos provisórios, Utopia e O Livro Vermelho, suspenses psicológicos. Pode nos falar um pouco deles?
Douglas MCT: Em 1999 comecei a escrever “O Livro Vermelho” que tem mais um prólogo ‘pesado’, com o suposto suicídio de uma jovem, no caso muito popular na cidade. Com sua morte, investigações se iniciam, no entanto o livro não se foca nisso, mas sim na vida de outra jovem da mesma idade (e também protagonista do livro), Rebeca, que ao contrário da falecida, é introvertida e pouco notada pelas pessoas. Gosto da idéia deste livro porque além de ser um suspense psicológico, também lida com o auto-conhecimento, já que Rebeca vai descobrindo mais de si conforme vai investigando como era a vida de jovem morta. Isso tudo, contando com o fato que, estranhamente, as duas estão mais ligadas do que se podia imaginar. O outro livro eu apelidei de “Utopia”, mas com certeza esse não será o título. Na história, um rapaz de nome Terom acorda numa manhã e nota sua cidade vazia e mais tarde descobre que a usina local supostamente sofreu um acidente e deixou vazar um gás letal. Todos os habitantes morrem, mas estranhamente o protagonista não. Suspeitando de toda a situação, ele sai em busca de respostas e encontrará em seu caminho um cigano, uma garota e um nome. É uma das minhas obras prediletas, por lidar com dualidades, mas nem tudo ali é o que parece. Também é uma obra de suspense psicológico e, tanto este quanto “O Livro Vermelho” já tem muitas páginas escritas. No entanto tive de interrompê-las temporariamente, por que Necrópolis nascia. Não sei se será durante a escrita da hexalogia da saga ou após, mas continuarei com estas obras fechadas e as concluirei algum dia, assim espero.
MM: Pelo que sei Necrópolis será uma hexalogia, se você tiver uma idéia, qual serão os títulos?
Douglas MCT: Sim, Necrópolis é uma saga em seis volumes já definidos. Na estrutura que fiz quando tive a idéia da história, tracei linhas e nelas a história de Verne não caberia em uma trilogia e muito menos em cinco livros. Mas também seria ridículo eu ‘esticá-la’ para caber em sete ou dez livros. Por isso são seis volumes. É porque a história ‘pede’ para ser contada em seis livros e nem mais e nem menos. No entanto não posso revelar o nome dos demais volumes, pois isso estragaria a surpresa. Mas os títulos do segundo e do terceiro livro já foram definidos há dois anos. Os títulos dos três últimos da saga ainda estão sendo estudados. Posso adiantar que uma das palavras do título do segundo volume será “batalha”.
MM: Necrópolis será uma série como Darkover, de Marion Zimmer Bradley (As Brumas de Avalon) em que cada livro conta uma história e independente ou teremos que lê-los na ordem?
Douglas MCT: Eu diria que sim e não. Apesar de cada volume de Necrópolis contar uma história com começo, meio e fim, elas tem “ganchos” para continuações nos livros seguintes. Mas Necrópolis é uma série e como tal deve ser lida na ordem para total compreensão. Ainda que nos três primeiros volumes essa “independência” seja maior, nos três últimos essa “distância” vai diminuindo.
MM: Quais são os personagens principais e qual deles você mais gosta?
Douglas MCT: Verne Vipero é o protagonista e gosto muito dele pelo seu jeito de pensar e agir, mas os meus prediletos são Karolina Kirsanoff, Ícaro Zíngaro e Astaroth. A primeira é uma mercenária necropolitana, caçadora de recompensas, ruiva, corpo exuberante e personalidade forte. Adoro tudo que a envolve e realmente ela é uma “ninfa” para quem a lê. Ícaro é um corujeiro (um tipo de homem-pássaro) acusado de um crime que não cometeu, mas que também possui uma personalidade que muito me agrada, meio individualista, grosso e misterioso. Mas o meu predileto com certeza é Astaroth, o vilão da trama, que não é como os vilões clichês de qualquer trama vista, já que seus propósitos são profundos, cheio de dilemas, além de ser muito vingativo e ter uma obsessão por Verne, que chega a ser assustadora. Porém, nem mesmo o protagonista sabe as reais intenções de seu algoz para com ele e isso só será revelado aos poucos, no decorrer dos volumes. E não posso falar muito a respeito deste personagem sem entregar spoilers. Outro que gosto muito é Simas Tales, um ladrão necropolitano que corre a velocidades sobre-humanas e se torna o grande amigo de Verne; Absyrto, um curandeiro; Martius Oly, o alívio cômico da obra e um outro, vampiro, que tem um conceito muito interessante (senão original) dentro da série. Mas esta é minha resposta para o primeiro volume da saga, não estou contando os personagens que virão a surgir nos livros seguintes, aos quais também tenho minhas preferências.
MM: Veremos grandes guerras, lutas ou desafios? Você guarda algum segredo inesperado para o fim das histórias?
Douglas MCT: No primeiro volume Verne passará por provações perturbadoras, mas ainda não veremos guerras. No segundo volume uma grande batalha vai ocorrer, mas outras nos livros finais também, que não posso dizer, mas será de grandes proporções e definirá muitas coisas no mundo dos mortos. Lutas, Verne terá muitas, mas as melhores certamente serão travadas por Karol e Ícaro, sem contar uma entre alguns vampiros no quarto ou quinto livro. Sobre desafios, posso dizer que em cada livro os personagens terão vários no decorrer da história e será um pior que o outro. Necrópolis guarda grandes segredos, alguns perturbadores e (creiam) totalmente inesperados pelos leitores. E isso vale tanto para o primeiro volume, como pelos seguintes e também pelo derradeiro e último da série, que trará revelações e mistérios jamais cogitados. Se têm algo que gosto é de mistérios e segredos, e minha saga estará repleta disso.
MM: Geralmente autores usam alter-egos como personagens, Hermione Granger é o alter-ego de J.K.Rowling, Robert Langdon é o de Dan Brown. Você já criou um personagem que fosse o seu EU literário, se sim, qual é e onde podemos encontrá-lo?
Douglas MCT: Em meus romances e contos sempre existem alguns personagens que tenham um pouco de mim. Em Necrópolis, nitidamente temos Verne como um suposto EU literário. Ele é cético como eu (ainda que no decorrer da trama comece a crer em coisas antes impensadas) e tem uma personalidade muito semelhante ao que sou ou ao que fui algum dia (mas não plenamente). Ícaro também reflete algo do que já fui e talvez outros personagens, cada um com um “pedaço” de mim. Mas é bom lembrar que eu homenageio amigos, familiares, colegas escritores e até mesmo alguns fãs na saga, seja na personalidade de personagens, seja em algum aspecto destes ou até mesmo em nomes de lugares no mundo dos mortos. E ainda acho que é o mínimo que pude fazer a estas pessoas que de uma forma ou de outra, me inspiraram na obra e/ou me acompanharam no decorrer da escrita, sempre com seu apoio fenomenal.
MM: O que esperar de “Necrópolis”?
Douglas MCT: Sou completamente suspeito para falar da minha própria obra. Sei que a propaganda é a alma do negócio e é isso o que farei, por isso não quero ser mal interpretado, afinal, acima de tudo ainda sou muito sincero. Os leitores podem esperar de Necrópolis uma saga cheia de aventuras, mistérios, revelações, grandes doses de suspense e terror, muitas homenagens, citações e personagens carismáticos. Podem esperar um livro que tenta da melhor maneira “fugir” de clichês do gênero (se é que isso é possível) ou pelo menos tentar molda-los de forma diferenciada. Necrópolis é uma Fantasia moderna, mas também é um livro de Terror e minha saga não é um “Harry Potter”, muito menos um “O Senhor dos Anéis”. É algo totalmente novo, escrito para quem tem interesse em novas propostas de leitura, por mais que esta não fuja do seu gênero predileto. Enfim, só lendo para confirmar o que digo.
MM: Para que faixa etária esta série estará sendo destinada?
Douglas MCT: Eu defini que seja para maiores de quinze ou dezesseis anos. Sem contar o prólogo (que já lida com exorcismos e possessões, o que torna a obra inviável automaticamente para um público infantil), a história também descreve cenas de mortes de maneira fortes e cruas, que podem (talvez) prejudicar pessoas mais sensíveis. Ainda que eu ache que os leitores de hoje em dia estão mais preparados e acostumados para “este” tipo de leitura ao qual proponho em Necrópolis, sendo que alguns de doze ou quatorze anos provavelmente consigam ler numa boa. Mas num geral, a faixa é dos adolescentes para um público mais adulto, indo há até os 30 anos ou mais.
MM: Você teme ser comparado com outros autores?
Douglas MCT: Não temo, desde que tais comparações sejam justas. Com certeza eu ficaria muito feliz se fosse comparado a Pullman ou a Gaiman, grandes mestres da literatura fantástica, por mais que não sofra influencia direta de obra ou autor algum. Mas sinceramente não gostaria de ser comparado a Cristopher Paolini ou a Dan Brown, isso sim seria uma ofensa, ainda que os admire por terem conquistas dentro do meio que propuseram.
MM: Qual a qualidade que você mais aprecia nas suas descrições?
Douglas MCT: Eu admiro muito um certo clima de suspense que crio a cada fim de um parágrafo ou frase. Tenho o hábito de manter uma dualidade em tudo o que escrevo e gosto muito disso. Minhas descrições, ao meu ver, não são tão enfadonhas e detalhadas, mas também não são tão vagas e rápidas. Procuro o meio termo e o equilíbrio em tudo na minha vida e na literatura não sou diferente, por mais que em alguns casos eu precise ser ‘mais’ ou ‘menos’.
MM: Existe alguma frase que você gosta de lembrar quando certas coisas na vida não dão certo?
Douglas MCT: “Não é quem eu sou por dentro, mas o que eu faço é o que me define”. Essa frase é do maravilhoso filme “Batman Begins” e é uma das minhas prediletas, tanto que as uso em meu Orkut e MSN. Essa frase diz uma verdade tão grande para mim, que sempre a cito em meu interior quando algum problema surge. Ainda sim, procuro transcender meus limites e, na medida do possível, superar qualquer problema que surja, ou eu piro. Afinal, passei por poucas e boas nessa vida, que dariam um perturbador livro de terror. Mas é melhor seguirmos adiante...
MM: Qual o seu ritmo de trabalho semanal nestes livros?
Douglas MCT: Meu ritmo é meio louco, porque sou uma pessoa um pouco dispersa, o que me atrapalha em qualquer cronograma que eu queira tomar. Quando escrevi a primeira versão de Necrópolis, entre maio a outubro de 2005, o ritmo foi quase diário, sem nenhuma interrupção. No entanto, este ano, quando retomei a obra (para dar o upgrade necessário que a história pedia), notei que não existia um ritmo certo, somente louco. Tem semanas que escrevo todos os dias, mas já passei semanas sem escrever nada, por mais que as idéias tilintem em minha mente e a inspiração permaneça. Sou atarefado demais com várias coisas e isso tem atrapalhado um pouco meu cronograma, ainda que no fim das contas eu sempre consiga entregar tudo no prazo. No entanto, agora que definimos o lançamento de Necrópolis para o primeiro semestre de 2008, eu tenho de correr com esta revisão para entregá-la até o fim do ano e, por sorte do acaso, estou vivendo o melhor momento da minha vida e a obra tem fluído de forma magnífica. Mas sou muito sistemático com algumas coisas e bem organizado, o que me ajuda muito, afinal eu já defini toda a obra até o terceiro livro, com sinopses e trechos prontos. Eu “esqueletei” toda a hexalogia até o sexto livro e sei qual o caminho que culmina para o fim, mas ainda sim prefiro deixar para o decorrer da escrita, no tempo certo, para assim definir como será cada parte dos volumes finais.
MM: Para quem será dedicado o primeiro tomo?
Douglas MCT: Para o meu irmão Danilo Francisco. Sem ele Necrópolis jamais teria existido. Gosto de contar essa história: desde que ele nasceu (em 1999, hoje com sete anos) eu comecei a descobrir o meu maior medo em vida, que existe até hoje e sempre existirá. O medo de perder meu irmão, dele morrer. E como eu ficaria? Sinceramente não sei, mas sei que não seria nada bom. E foi com esse pensamento em mente que tive a idéia de explorar num livro a história de um cara que perde o irmão, a coisa mais preciosa para sua vida, mas que depois ele descobre ter a chance de salvar. Esse conceito me atraiu muito e por cinco anos fui anotando idéias diversas, até definir a história num todo e começá-la a escrever em 2005 (ano também que se inicia a jornada de Verne). Porém, eu escrevi uma página de Agradecimentos, que estará no livro, em homenagem às pessoas que me acompanharam e ajudaram, de alguma forma, para que o livro fosse publicado. E o livro será em Memória de minha avó, falecida no fim de 2005.
MM: Já despedindo e agradecendo pela oportunidade peço que você dê uma dica para aqueles escritores e leitores que estão começando a trilhar o caminho.
Douglas MCT: Acho que minhas dicas não se diferem muito de outros autores, más é o básico: ler muito, ler um pouco mais e procurar ler um outro tanto e acima de tudo ter prazer nisto. Em seguida treinar a escrita, escrever muito, escrever um pouco mais e procurar escrever outro tanto, também com muito prazer. E eu acrescento que procurar a originalidade em seus textos, inicialmente é meio difícil, mas não impossível, porque uma hora ou outra você a encontra. Evitar alguns clichês e/ou transforma-los para que estes se tornem adequados a sua obra também é aconselhável. Finalizando, que os escritores de primeira viajem procurem ler as obras que mais lhe atraem e não aqueles ditados por outros ou professores, pois isso pode trazer mais desprazer do que prazer; cuidado com os livros de “modinhas” (eu digo estes best-sellers de sucesso momentâneo, mas de conteúdo zero) ou grandes clássicos, porém enfadonhos. Procure por leituras que primeiramente lhes agradem, que tenham o perfil de seu gosto pessoal. Depois dêem chance a autores de outros estilos e gêneros e vocês terão a oportunidade de conhecer e viajar por histórias nunca antes imaginadas. E escrevam, sempre.
Alex, mais uma vez eu agradeço pela oportunidade da entrevista e que este blog continue apoiando mais autores, com esse trabalho incrível e de bom gosto. Sucesso e abraços!
Blog Oficial de NECRÓPOLIS:
http://necropolis-vf.blogspot.com/
Comunidade Oficial de NECRÓPOLIS:
http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=20725294
Teaser-Trailer do livro:
http://www.youtube.com/watch?v=5947zO5_kV0
Contos de Douglas MCT:
http://recantodasletras.uol.com.br/autor.php?id=14019
Leia abaixo o prólogo na íntegra do livro NECRÓPOLIS - A Travessia da Fronteira das Almas, de Douglas MCT:
PRÓLOGO
Condado de Braşov, 1910
Depois de atravessar aquele vasto campo a cavalo, o homem finalmente avistou o casebre, o estábulo e sentiu o cheiro da morte.
O tempo estava chuvoso naquele fim de tarde invernal. O homem trajava uma túnica preta, uma bolsa de lona e um odre preso à cintura. Ele havia levado mais de três horas de viagem até aquela região remota, mas tinha sido convocado tarde demais. Há uma semana o Ordinário local havia solicitado a presença do presbítero sobre uma possível possessão, ao qual ele veio a pesquisar minuciosamente, a ponto de julgar prudentemente a existência de uma influência maligna e diabólica no local e numa das pessoas da família.
Ele foi atendido pelos pais do garoto, o senhor e a senhora Raugust. Estavam pálidos, trêmulos, muito assustados e com os seus olhos verdes esbugalhados. O casal já o aguardava, mas mesmo assim o senhor Raugust quis confirmar:
- Sacerdote Dimitri Adamov?
- Sim, senhor. Farei o possível para salvar seu filho!
Dadas as devidas mesuras, o homem de aparência robusta e vívida adentrou o casebre. Com uma das mãos retirou um crucifixo de bronze pendurado ao pescoço, bebeu o último gole da água santa e depois abandonou o seu odre sobre uma cômoda. Repentinamente parou sobre o corredor quando sentiu o clima lúgubre ao redor. A senhora Raugust recostou-se sobre a porta, desesperada e aos prantos, enquanto seu rígido esposo se dirigia ao homem.
- Quer ver os corpos, antes?
- Sim, senhor.
Sem hesitar, o senhor Raugust abriu a velha porta de madeira ao lado e o homem entrou. Haviam quatro corpos estirados com lençóis amarelados cobrindo-os. O primeiro corpo foi apresentado como o da senhora Manastarla, a velha que cuidava dos garotos. O segundo era da pequena Ana Mandoju, a prima. Os terceiros e quartos corpos eram dos jovens irmãos Branzan, vizinhos e amigos da família. O homem manteve-se firme pela cena trágica e ao odor de decomposição, beijou seu crucifixo e avaliou cada um cuidadosamente, levando pouco mais de uma hora até chegar as suas conclusões. Na senhora Manastarla ele notou arranhões nos braços e nas pernas, além de um machucado na nuca, onde o sangue já havia secado. Na pequena Ana, pode notar marcas das mãos do garoto em seu pequeno e delicado pescoço. Os irmãos Branzan tinham feridas por todo o corpo, como se tivessem lutado, mas o primeiro estava com a garganta cortada e o segundo tinha um rombo enorme no estômago.
O homem aproximou-se do senhor Raugust e lhe apresentou as evidências:
- A velha foi assassinada enquanto contava-lhe uma história de ninar, ou estava dando-lhe as costas – o senhor Raugust assentiu e o homem continuou: - A garota foi enforcada enquanto dormia e os irmãos foram assassinados quando brincavam com ele. Não sei ao certo. Talvez tenham lutado pela vida e provavelmente sofreram muito antes de morrer. – um aperto enorme crescia em seu coração, repleto de tristeza e um medo, antes inexistente.
O senhor Raugust cobriu a face com as mãos, recostando-se sobre a parede, as pernas trêmulas, um choro discreto e um desespero maior aparente. O sacerdote, porém, já havia visto cenas assim em outras missões. Dimitri Adamov fazia parte da Ordem dos Senhores dos Céus, uma seita de exorcistas que passavam a vida confrontando demônios e espíritos malignos, exorcizando-os com a aprovação indireta do Papado, já que recebiam as chamadas do Bispo diocesano local. Todos os homens da seita viviam confinados num templo isolado da região. Faziam votos de castidade e clausura e, dentre eles, Dimitri era o único que havia sido um Padre no passado. Os sacerdotes da ordem praticavam um estilo peculiar de exorcismo, que não as contidas no Rito do Sumo Pontífice Leão XIII. Era um exorcismo praticado de forma mais objetiva e brutal, porém tão eficiente quanto o outro. Dimitri já havia realizado sete exorcismos em sua vida e, em cada um deles enfrentou situações diversas e confrontou espíritos menores e anjos apóstatas. Sempre foi vitorioso em cada uma de suas missões. No entanto, o caso ao qual se deparava, era completamente diferente dos que já tinha visto. A crueldade e astúcia eram tamanhas, que ele temia a criatura que possuía o jovem antes mesmo de enfrentá-la.
Dimitri havia pedido ao pai do jovem que o levasse até o quarto. Antes de entrar, parou defronte a porta e iniciou uma oração, com a mão direita sobre o ombro do senhor Raugust e a esquerda segurando o crucifixo, seus fortes dedos passavam aleatoriamente pela forma mítica do objeto de bronze. Ele abriu a porta e adentrou o quarto, deparando-se com o medo em suas mais altas circunstâncias. Jacob Raugust, o garoto possuído, estava com os punhos e tornozelos presos com correntes na cama. Sua tez estava podre, machucada e fétida. Os lábios estavam cortados, alguns dentes estavam quebrados e ele babava um pouco uma gosma esverdeada. Sua cabeça tremia de tempos em tempos e inclinava-se para a esquerda, chegando encostar a orelha no ombro. Seus olhos macabros e penetrantes fitavam os do sacerdote. Francis, o irmão caçula, dormia tranqüilamente na cama ao lado.
O senhor Raugust, ao perceber a agitação da esposa vindo em direção ao quarto, tranca à porta e recosta-se sobre ela, jogando todo o seu corpo, como se quisesse segurá-la e impedir que uma força maternal a atravessasse, ainda que soubesse que a senhora Raugust era magra e frágil, sendo incapaz de quebrar uma porta. De qualquer forma, o pai dos garotos apenas queria permitir ao exorcista que este fizesse seu trabalho em paz, sem interrupções.
Primeiro Dimitri se aproximou de Francis. O garoto deveria ter entre nove ou dez anos e possuía uma face angelical. O sacerdote pode notar que ao redor do pequeno Francis uma aura de paz predominava. Era como se nada estivesse ocorrendo naquela casa, era como se ninguém tivesse morrido, era como se ele não tivesse presenciado nada. Isso surpreendeu e aquietou o coração do homem por alguns segundos, que retirou de sua bolsa um minúsculo frasco de vidro contendo uma água bentificada, na qual os exorcistas da Ordem dos Senhores dos Céus acreditavam possuir uma proteção divina. Ele derramou a água ao redor e sobre o corpo de Francis, que em sua crença, era como se estivesse fazendo algum tipo de “círculo de proteção divinal”. Em seguida retirou um ramo de sapindácea e colocou sobre o peito do garoto. Em seguida orou:
Gloria Patri et Filio et Spiritui Sancto.
Sicut erat in principio et nunc et semper,
et in saecula saeculorum. Amen.
Todas as orações feitas pelos membros da Ordem dos Senhores dos Céus eram realizadas em latim, a qual eles acreditavam ser uma “língua poderosa” e peculiarmente mais apropriada para enfrentar seres demoníacos. O sacerdote ia repetir a oração mais duas vezes para reforçar a proteção, mas logo foi interrompido por uma voz sinistra e gutural:
- Dimitri?
Ele apavorou-se. A entidade havia descoberto seu primeiro nome e isso, para um exorcista, era de uma periculosidade enorme, pois os demônios ou espíritos malignos poderiam dominá-lo caso descobrissem o nome completo e o seu passado. Antes que a entidade o indagasse mais, ele virou-se e se dirigiu até a cama do possuído. O sacerdote pode ver que Jacob não era nada mais do que um pré-adolescente e não tinha mais do que quatorze anos de idade. O jovem mantinha seus olhos fixos ao dele, enquanto sua língua passava lentamente entre os lábios entrecortados e a baba esverdeada escorria.
A aflição de Dimitri só aumentou quando o senhor Raugust começou a soluçar de pavor. Sua esposa continuava cada vez mais desesperada no corredor, batendo com fúria sobre a porta. Repentinamente, o possuído tentou dar saltos no colchão, estremecendo a cama e fazendo com que as correntes tilintassem. Sua cabeça tremia com mais intensidade, os dentes rangiam e seus olhos viravam. Ele fazia uma força enorme para tentar se soltar. O sacerdote tentou se acalmar e ajoelhou ao lado da cama, próximo ao rosto de Jacob. Retirou mais uma vez seu crucifixo de bronze e o segurou com a mão esquerda. Com a mão direita ele retirou outro frasco com água bentificada e jogou pela tez do possuído, em seguida, iniciou o exorcismo:
In nomine Patris, et Filii, et Spiritus Sancti. Amen.
Pater noster, qui es in caelis:
sanctificétur nomen tuum;
advéniat regnum tuum;
fiat volúntas tua, sicut in caelo, et in terra.
Panem nostrum cotidiánum da nobis hódie;
et dimítte nobis débita nostra,
sicut et nos dimíttimus debitóribus nostris;
et ne nos indúcas in tentatiónem;
sed líbera nos a malo. Amen.
In nomine Iesu Christi Dei et Domini nostri, intercedente immaculata Vergine Dei Genetrice Maria, beato Michaele Archangelo, beatis Apostolis Petro et Paulo et omnibus Sanctis, et sacra ministerii nostri auctoritate confisi, ad infestationes diabolicae fraudis repellendas securi aggredimur.
Durante o exorcismo, Dimitri balançava seu crucifixo defronte aos olhos do possuído. Ele repetiu o ritual por mais seis vezes, até que então, aconteceu.
Pela vidraça da janela, o sacerdote pode ver o céu escurecer, ganhando um tom rubro-enegrecido, uma forte tempestade se iniciar e o som espectral da chuva de relâmpagos. Seu coração palpitava a ponto dele temer um infarto. Suas palmas suavam e seus pensamentos se confundiam em fluxos mentais distorcidos. Ele notou que pela primeira vez em anos, aquela era a primeira missão que lhe dava medo e insegurança. O possuído solta um espirro e com isso o ar começa a exalar a enxofre, dominando todo o quarto. Segundos depois se inicia um tremor na casa que só terminaria ao fim do exorcismo. O vendaval no campo criava zumbidos apavorantes aos ouvidos do sacerdote, como se um espírito infernal murmurasse sobre seus ombros um cântico satânico.
Passados alguns minutos, Dimitri se recobrou.
- Dimitri? – disse o possuído. – Eu conheço o seu passado!
O sacerdote sabia que era estritamente proibido conversar com entidades possessivas, pois estas poderiam lhe dominar. No entanto, alguns anos atrás, ele havia conhecido um renomado bispo que lhe deu conselhos valiosos, que naquele momento ele pretendia praticar. Dimitri sabia que, se descobrisse o nome completo da criatura que confrontava, ele poderia dominá-la, antes que essa o fizesse. Era um grande risco, ele também sabia, pois para isso ele tinha de iniciar um diálogo com a entidade. Depois de hesitar por alguns segundos perante aquela situação tenebrosa, o sacerdote finalmente tomou sua decisão.
- Revele-me seu nome, espírito das trevas! – ordenou Dimitri.
- Espíritos estão sob as minhas ordens! – retrucou o possuído.
- Revele-me seu nome, demônio! – tornou a ordenar.
- Eu sou o Grão-Duque! – em seguida o possuído sorriu, mostrando sua arcada dentária maligna. – O mais importante e poderoso da região Sul do Inferno!
- Revele-me seu nome, demônio! – repetiu Dimitri.
- Eu sou o anjo caído coroado! Eu sou aquele que domina o dragão e a serpente!
- Revele-me seu nome, demônio!
- Eu sou aquele que mostrou a morte a Caim! Eu sou aquele que tentou o sábio Salomão ao pecado e o levou a decadência! Eu sou aquele que sussurrou a traição nos ouvidos de Judas!
O pavor tomou por completo o corpo e a mente do sacerdote. Porém, ele mantinha uma postura falsa de segurança. Dimitri sabia estar lidando com uma entidade superior. Ele jamais em sua vida havia confrontado uma criatura como aquela, de hierarquia elevada. Dimitri temia pela vida de Jacob, pela vida de Francis, pela vida do senhor e da senhora Raugust. Dimitri temia por sua própria vida. O sacerdote resolveu indagar o possuído:
- Você é Mastema?
- Mastema é inferior a mim. Já foi subjugado. Eu não sou Mastema!
- Você é Valafar?
- Valafar foi destruído pelas minhas Chamas! Eu não sou Valafar!
- Você é Legião?
- Legião é meu Criado fiel! Eu não sou Legião!
- Você é Belial?
- Belial é o Senhor da Terra e do Norte! Eu não sou Belial!
- Você é Leviatã?
- Leviatã é o Senhor das Águas e do Oeste! Eu não sou Leviatã!
- Você é Lúcifer?
- Lúcifer é o Senhor dos Ares e do Leste! Eu não sou Lúcifer!
Dimitri chegou à conclusão de que jamais descobriria o real nome da criatura. O velho casebre balançava ao forte vento demoníaco que ocorria por fora e logo desabaria sobre suas cabeças. Foi naquele momento que o sacerdote resolveu fazer seu último ato:
In nomine Patris, et Filii, et Spiritus Sancti. Amen.
In nomine Iesu Christi Dei et Domini nostri, intercedente immaculata Vergine Dei Genetrice Maria, beato Michaele Archangelo, beatis Apostolis Petro et Paulo et omnibus Sanctis, et sacra ministerii nostri auctoritate confisi, ad infestationes diabolicae fraudis repellendas securi aggredimur.
O possuído consegue arrebentar a corrente que prendia seu braço direito e agarra o pescoço do sacerdote, sufocando-o aos poucos. A força que o jovem havia ganho com a presença corpórea da entidade era sobrehumana. Dimitri olhou fixamente nos olhos de Jacob e pode ver o ano, a hora e como morreria no futuro. No entanto, ele sabia que aquele não era o momento de sua morte e continuou suas orações em latim. O possuído começa a forçar o braço esquerdo para livrar-se, porém o pai do garoto postou-se sobre o seu corpo, tentando impedí-lo.
- Dimitri Adamov! – trovejou a entidade.
- Você não tem poder sobre mim, demônio! – retrucou o sacerdote, corajosamente, sabendo que a criatura havia descoberto seu nome completo e poderia dominá-lo.
- Sua alma me pertence, Dimitri Adamov!
Naquele instante, o senhor Raugust conseguiu retirar os punhos de seu filho do pescoço do sacerdote. Dimitri repetiu mais uma vez a oração, depois enrolou seu crucifixo de bronze em sua mão esquerda e beijou a testa de Jacob, onde permaneceu por alguns segundos. A senhora Raugust gritava desesperada fora do quarto, batendo com as poucas forças que tinha contra a porta. O possuído consegue arrebentar a corrente do braço esquerdo, escapando do domínio de seu pai, que num movimento ágil de Jacob é atingido fortemente com a corrente sobre o peito e jogado contra a vidraça da janela, morrendo na hora! Com outro movimento veloz, o possuído agarra a gola da túnica do sacerdote e joga-o contra a parede, do outro lado do quarto. Atordoado pelo impacto e depois a queda, Dimitri pode ver uma cena ao qual jamais esqueceria em vida: uma sombra saía vagarosamente de Jacob e planava acima da cama, onde o desfalecido corpo do garoto caía. A sombra possuía olhos de um amarelo nítido, com pupilas que lembravam as de um ofídio e tinha quase dois metros de altura. Os cabelos da criatura eram como serpentes vivas e ferozes, existiam dezenas delas. Nos punhos da sombra ele pode ver garras letais, que moviam os dedos como se há séculos não as usasse. A criatura o fitava, como se pudesse ler a sua alma. Dimitri não conseguiu ver outros detalhes daquele ser espectral e logo desmaiou.
O sacerdote acorda no mesmo lugar onde havia caído e descobre ter se passado mais de seis horas. A senhora Raugust e mais um homem alto e magro, que depois descobriu-se ser o irmão desta – senhor Mandoju, pai da falecida Ana –, já tinham adentrado o quarto, a porta ao lado estava arrebentada e aos pedaços. Dimitri supôs que provavelmente foi o irmão dela quem havia feito tal arrombamento. A senhora Raugust chorava sobre o corpo morto do marido, enquanto que o senhor Mandoju indagava o sacerdote sobre o que havia ocorrido durante a sessão de exorcismo. Minutos depois a mãe dos garotos se juntou a eles.
Dimitri Adamov não revelou em detalhes todos os acontecimentos do exorcismo de Jacob, pois era confidencial para leigos como eles. No entanto lhes contou algumas situações e fenômenos que havia presenciado. Outros fatos ele preferiu omitir. O senhor Mandoju curou os ferimentos do sacerdote e depois o abraçou em agradecimento, pois o jovem possuído não estava mais sob o domínio da entidade e agora se encontrava na cama vivo, porém enfermo. Meses mais tarde, Dimitri viria a descobrir que Jacob havia morrido, por não conseguir curar-se da forte febre que dominou seu corpo após a possessão e, sua mãe viria a falecer duas semanas após, porém o obituário não soube dizer a causa mortis, que desconfiaram provir da loucura que havia tomado a senhora Raugust. Então Francis havia sido levado para morar num condado próximo com seus tios, o senhor e a senhora Mandoju, que se tornaram seus responsáveis por lei.
A senhora Raugust fez-lhe o pagamento que depois Dimitri depositaria nos cofres sagrados do monastério. O sacerdote partiu com seu cavalo num tempo amenizado ao cair da madrugada. O cheiro da morte e o ambiente fúnebre abandonavam aquele casebre aos poucos. A dor e tristeza em seu coração, porém, jamais cessariam. Junto com ele caminhavam seus pensamentos: um era a curiosidade, o outro uma omissão. A curiosidade que permeava sua mente era o fato de Francis ter sido poupado dos ataques assassinos do possuído. Na sua concepção nada fazia sentido, nada se encaixava. Por que justamente um garoto frágil e tão próximo do irmão não fora atacado?
O seu outro incômodo era ele ter omitido da senhora Raugust o fato de que Jacob não havia sido, exatamente, salvo da possessão. Na verdade, o exorcismo de Jacob Raugust havia sido um fracasso. A missão de Dimitri havia sido um fracasso. O sacerdote não havia destruído o poderoso demônio que habitava o corpo do jovem. Ele o havia libertado!
MM: Olá Douglas, quero agradecer por aceitar esta simples entrevista com simpatia. Poderia nos contar quando descobriu que queria ser escritor.
Douglas MCT: Olá Alex. Eu que agradeço pela oportunidade desta entrevista. Não sei exatamente se “descobri”. Desenho desde os três anos de idade e até então imaginei que seria desenhista, mas já na infância criava os roteiros de minhas histórias em quadrinhos. Aos quinze anos, quando minhas leituras começaram a se direcionar mais para a literatura (que não somente quadrinhos), foi quando notei ter um interesse maior pela escrita, dentre os quais muitos contos. Já ganhei por duas vezes no Mapa Cultural Paulista, com contos que podem ser lidos em meu espaço no Recanto das Letras. Mas aos 11 anos me lembro de ter escrito um livro de suspense policial intitulado “Sherlock Douglas”, sei que soa cômico no momento, porém na época levei muito a sério e escrevi várias páginas, isso no embalo da leitura de “A Droga da Obediência”, no entanto acho que dei fim a este livro.
MM: Você é formado em quê e onde trabalha atualmente?
Douglas MCT: Não tenho formação, a não ser na vida. Trabalho desde os 13 anos como Designer Gráfico e atualmente atuo como Assistente de Arte da editora Escala, ao qual faço toda a diagramação e planejamento visual da revista “Filosofia – Ciência e Vida”. Fora isso, sou roteirista freela dos gibis da Turma da Mônica, há dois anos. Estou em outros projetos de roteiros para quadrinhos, mas que ainda não posso revelar. Também sou desenhista e faço trabalhos neste meio.
MM: Você acredita que a literatura brasileira tem chances de evoluir com a fantasia e o terror ou com dark-fantasy?
Douglas MCT: Eu creio que a literatura brasileira tem chances de evoluir em qualquer gênero, seja qual for. O lance é saber como direcionar essa chamada “literatura brasileira” de forma que ela seja tão atraente aos olhos dos leitores brasileiros, quanto são as obras estrangeiras. Sem contar com os autores brasileiros já consagrados, vejo que para que a tal “evolução” ocorra, uma boa jogada de marketing, divulgação e posteriormente distribuição é um dos pontos a serem atingidos, logicamente que com uma literatura de qualidade e que não seja apenas mais um “Harry Potter” ou na cola de códigos (seja do que for) ou segredos. Se o escritor brasileiro de primeira viagem fugir dessas modinhas, acho que ele atingirá o ponto certo. Focado na literatura de Fantasia e de Terror, acho que primeiro o autor tem de conhecer bem os gêneros, as obras e autores relacionados e saber a melhor forma de contar uma historia deste tipo, porque estes leitores são bem específicos e procuram por uma leitura a altura de livros semelhantes já lidos. Além do que, ultimamente têm sido lançados bons livros (ainda que poucos) destes gêneros, por autores brasileiros. E esse é só o começo.
MM: Qual o seu autor(es) e livro(s) preferido(s). Algum deles influenciou esta obra?
Douglas MCT: Tenho vários autores e obras prediletas. Mas no momento vou citar o que considero o “meu livro de cabeceira por anos”, que é a “Trilogia Fronteiras do Universo”, do mestre Philip Pullman. Ele é um escritor que sabe contar uma maravilhosa história de Fantasia, dosada com muito suspense, lances filosóficos e personagens cativantes e somado a isso, muitas idéias sobre o existencialismo, o que muito me atrai. Também adoro Henry James e o seu “A Volta do Parafuso” e Suzana Clarke (de “Jonathan Strange & Mr. Norrel”), dois autores que sabem fazer uma literatura gótica deliciosa, tenebrosa e que criam pesadelos por noites em qualquer leitor desprevenido. Neil Gaiman é sempre ótimo, qualquer coisa do Poe e dois recentes autores brasileiros de excelente qualidade: Leonel Caldela (“O Inimigo do Mundo” e “O Crânio e o Corvo”) e Otávio Aragão (“A Mão que Cria”). No entanto, outras mídias também me atraem e são fonte de inspiração, como quadrinhos, filmes, bons seriados, games, músicas e RPGs. Acho que sou muito eclético e multimídia.
MM: Fale-nos de AI – Amigos Imaginários, a importância deles para suas histórias e qual foi o seu?
Douglas MCT: Interessante pergunta. O conceito de Amigos Imaginários certamente que todos sabem não fui eu quem criou, mas estou os abordando de forma nunca antes vista (assim espero) em minha saga. Na revisão que comecei de Necrópolis este ano, resolvi acrescentar essa idéia dos AI, que é algo que todo ser humano teve na infância, mas que muitos hoje esqueceram, por algo que estou chamando de “síndrome contrária de Peter Pan”, que é aquela pessoa que cresce e simplesmente esquece de muita coisa da infância, ou dela completa. E ainda há os que lembram. Na saga Necrópolis, os AI só existem para os humanos da Terra (e não para os humanos necropolitanos), como se fosse algo normal, até estes atingirem os quinze anos de idade, que é quando a adolescência muitas vezes aflora e a inocência possui é que pode ver o seu AI, conversar e viver grandes aventuras. Não ter um AI é considerado algo terrível, como se fosse à falta de um membro ou sentido do corpo, mas aparentemente não há indícios disto na obra. Verne Vipero (o protagonista) tem vinte anos, mas ainda tem um AI, Chax. Muitos poucos têm esse “problema” e há quem creia que a pessoa não tenha crescido por completo e esse seria o motivo de ainda ter o AI, mesmo depois da idade que o finda. Muitos AI serão mostrados ou citados durante a saga e tem uma importância que não posso citar (sem ser spoiler) para o decorrer da trama.
MM: No prólogo notamos que há um estilo perturbador, algo com gostinho de Supernatural e O Exorcista. Você estudou demonologia, ritos de exorcismo e um pouco de latim?
Douglas MCT: O prólogo de Necrópolis é realmente forte para os padrões que aparentemente a obra seria direcionada. Mas aquele início já foi escrito para mostrar a real intenção da saga, de que não é leitura para crianças. Apesar de gostar do seriado “Supernatural”, não tive influência alguma deste. No entanto, quando fiz o “esqueleto” dos seis livros, planejei que pelo menos três ou quatro dos prólogos dos volumes seriam como uma “homenagem” a algum conceito ou obra. No primeiro volume eu “homenageio” filmes de terror (e especificamente de exorcismo), mas eu o faço à ‘minha’ maneira. No ‘meu’ conceito de exorcismo. Por mais que a leitura remeta a filmes como “O Exorcista” e “O Exorcismo de Emily Rose”, gostaria de ressaltar que existem idéias ali nunca antes vistas ou lidas em qualquer outro lugar. Eu já havia estudado demonologia há cinco anos e vi que “casaria” perfeitamente com o início deste primeiro volume. Para que tivesse mais verossimilhança ainda, eu também estudei ritos de exorcismo e algumas preces em latim, mas este não completamente, apenas o necessário. Agora uma “palhinha”: no segundo volume da saga, eu homenageio um conto-de-fadas muito famoso no prólogo, mas numa versão assustadora!
MM: Você acredita em vida após a morte ou em possessão? Já que são temas polêmicos.
Douglas MCT: Na verdade eu não creio em muita coisa. Sou cético desde os doze anos de idade e só creio no que a Ciência pode me explicar, do contrário não. No entanto, sempre achei alguns conceitos muito interessantes e que gostaria de algum dia explorar em meus escritos. E vida após a morte é realmente algo que me atrai muito e novamente digo que por mais que este tema já tenha sido explorado em muitas obras, nunca foi da forma que eu estou fazendo em Necrópolis. O niyan (que é um outro nome para alma) e a Travessia da Fronteira das Almas são criações minhas, assim também como algumas outras coisas que envolvem o mundo dos mortos. O lance da possessão fica somente no Prólogo e não sei se voltarei a explorar tal conceito nos futuros volumes, mas também acho muito interessante, por mais polêmico que seja.
MM: Você tem dois rascunhos, com títulos provisórios, Utopia e O Livro Vermelho, suspenses psicológicos. Pode nos falar um pouco deles?
Douglas MCT: Em 1999 comecei a escrever “O Livro Vermelho” que tem mais um prólogo ‘pesado’, com o suposto suicídio de uma jovem, no caso muito popular na cidade. Com sua morte, investigações se iniciam, no entanto o livro não se foca nisso, mas sim na vida de outra jovem da mesma idade (e também protagonista do livro), Rebeca, que ao contrário da falecida, é introvertida e pouco notada pelas pessoas. Gosto da idéia deste livro porque além de ser um suspense psicológico, também lida com o auto-conhecimento, já que Rebeca vai descobrindo mais de si conforme vai investigando como era a vida de jovem morta. Isso tudo, contando com o fato que, estranhamente, as duas estão mais ligadas do que se podia imaginar. O outro livro eu apelidei de “Utopia”, mas com certeza esse não será o título. Na história, um rapaz de nome Terom acorda numa manhã e nota sua cidade vazia e mais tarde descobre que a usina local supostamente sofreu um acidente e deixou vazar um gás letal. Todos os habitantes morrem, mas estranhamente o protagonista não. Suspeitando de toda a situação, ele sai em busca de respostas e encontrará em seu caminho um cigano, uma garota e um nome. É uma das minhas obras prediletas, por lidar com dualidades, mas nem tudo ali é o que parece. Também é uma obra de suspense psicológico e, tanto este quanto “O Livro Vermelho” já tem muitas páginas escritas. No entanto tive de interrompê-las temporariamente, por que Necrópolis nascia. Não sei se será durante a escrita da hexalogia da saga ou após, mas continuarei com estas obras fechadas e as concluirei algum dia, assim espero.
MM: Pelo que sei Necrópolis será uma hexalogia, se você tiver uma idéia, qual serão os títulos?
Douglas MCT: Sim, Necrópolis é uma saga em seis volumes já definidos. Na estrutura que fiz quando tive a idéia da história, tracei linhas e nelas a história de Verne não caberia em uma trilogia e muito menos em cinco livros. Mas também seria ridículo eu ‘esticá-la’ para caber em sete ou dez livros. Por isso são seis volumes. É porque a história ‘pede’ para ser contada em seis livros e nem mais e nem menos. No entanto não posso revelar o nome dos demais volumes, pois isso estragaria a surpresa. Mas os títulos do segundo e do terceiro livro já foram definidos há dois anos. Os títulos dos três últimos da saga ainda estão sendo estudados. Posso adiantar que uma das palavras do título do segundo volume será “batalha”.
MM: Necrópolis será uma série como Darkover, de Marion Zimmer Bradley (As Brumas de Avalon) em que cada livro conta uma história e independente ou teremos que lê-los na ordem?
Douglas MCT: Eu diria que sim e não. Apesar de cada volume de Necrópolis contar uma história com começo, meio e fim, elas tem “ganchos” para continuações nos livros seguintes. Mas Necrópolis é uma série e como tal deve ser lida na ordem para total compreensão. Ainda que nos três primeiros volumes essa “independência” seja maior, nos três últimos essa “distância” vai diminuindo.
MM: Quais são os personagens principais e qual deles você mais gosta?
Douglas MCT: Verne Vipero é o protagonista e gosto muito dele pelo seu jeito de pensar e agir, mas os meus prediletos são Karolina Kirsanoff, Ícaro Zíngaro e Astaroth. A primeira é uma mercenária necropolitana, caçadora de recompensas, ruiva, corpo exuberante e personalidade forte. Adoro tudo que a envolve e realmente ela é uma “ninfa” para quem a lê. Ícaro é um corujeiro (um tipo de homem-pássaro) acusado de um crime que não cometeu, mas que também possui uma personalidade que muito me agrada, meio individualista, grosso e misterioso. Mas o meu predileto com certeza é Astaroth, o vilão da trama, que não é como os vilões clichês de qualquer trama vista, já que seus propósitos são profundos, cheio de dilemas, além de ser muito vingativo e ter uma obsessão por Verne, que chega a ser assustadora. Porém, nem mesmo o protagonista sabe as reais intenções de seu algoz para com ele e isso só será revelado aos poucos, no decorrer dos volumes. E não posso falar muito a respeito deste personagem sem entregar spoilers. Outro que gosto muito é Simas Tales, um ladrão necropolitano que corre a velocidades sobre-humanas e se torna o grande amigo de Verne; Absyrto, um curandeiro; Martius Oly, o alívio cômico da obra e um outro, vampiro, que tem um conceito muito interessante (senão original) dentro da série. Mas esta é minha resposta para o primeiro volume da saga, não estou contando os personagens que virão a surgir nos livros seguintes, aos quais também tenho minhas preferências.
MM: Veremos grandes guerras, lutas ou desafios? Você guarda algum segredo inesperado para o fim das histórias?
Douglas MCT: No primeiro volume Verne passará por provações perturbadoras, mas ainda não veremos guerras. No segundo volume uma grande batalha vai ocorrer, mas outras nos livros finais também, que não posso dizer, mas será de grandes proporções e definirá muitas coisas no mundo dos mortos. Lutas, Verne terá muitas, mas as melhores certamente serão travadas por Karol e Ícaro, sem contar uma entre alguns vampiros no quarto ou quinto livro. Sobre desafios, posso dizer que em cada livro os personagens terão vários no decorrer da história e será um pior que o outro. Necrópolis guarda grandes segredos, alguns perturbadores e (creiam) totalmente inesperados pelos leitores. E isso vale tanto para o primeiro volume, como pelos seguintes e também pelo derradeiro e último da série, que trará revelações e mistérios jamais cogitados. Se têm algo que gosto é de mistérios e segredos, e minha saga estará repleta disso.
MM: Geralmente autores usam alter-egos como personagens, Hermione Granger é o alter-ego de J.K.Rowling, Robert Langdon é o de Dan Brown. Você já criou um personagem que fosse o seu EU literário, se sim, qual é e onde podemos encontrá-lo?
Douglas MCT: Em meus romances e contos sempre existem alguns personagens que tenham um pouco de mim. Em Necrópolis, nitidamente temos Verne como um suposto EU literário. Ele é cético como eu (ainda que no decorrer da trama comece a crer em coisas antes impensadas) e tem uma personalidade muito semelhante ao que sou ou ao que fui algum dia (mas não plenamente). Ícaro também reflete algo do que já fui e talvez outros personagens, cada um com um “pedaço” de mim. Mas é bom lembrar que eu homenageio amigos, familiares, colegas escritores e até mesmo alguns fãs na saga, seja na personalidade de personagens, seja em algum aspecto destes ou até mesmo em nomes de lugares no mundo dos mortos. E ainda acho que é o mínimo que pude fazer a estas pessoas que de uma forma ou de outra, me inspiraram na obra e/ou me acompanharam no decorrer da escrita, sempre com seu apoio fenomenal.
MM: O que esperar de “Necrópolis”?
Douglas MCT: Sou completamente suspeito para falar da minha própria obra. Sei que a propaganda é a alma do negócio e é isso o que farei, por isso não quero ser mal interpretado, afinal, acima de tudo ainda sou muito sincero. Os leitores podem esperar de Necrópolis uma saga cheia de aventuras, mistérios, revelações, grandes doses de suspense e terror, muitas homenagens, citações e personagens carismáticos. Podem esperar um livro que tenta da melhor maneira “fugir” de clichês do gênero (se é que isso é possível) ou pelo menos tentar molda-los de forma diferenciada. Necrópolis é uma Fantasia moderna, mas também é um livro de Terror e minha saga não é um “Harry Potter”, muito menos um “O Senhor dos Anéis”. É algo totalmente novo, escrito para quem tem interesse em novas propostas de leitura, por mais que esta não fuja do seu gênero predileto. Enfim, só lendo para confirmar o que digo.
MM: Para que faixa etária esta série estará sendo destinada?
Douglas MCT: Eu defini que seja para maiores de quinze ou dezesseis anos. Sem contar o prólogo (que já lida com exorcismos e possessões, o que torna a obra inviável automaticamente para um público infantil), a história também descreve cenas de mortes de maneira fortes e cruas, que podem (talvez) prejudicar pessoas mais sensíveis. Ainda que eu ache que os leitores de hoje em dia estão mais preparados e acostumados para “este” tipo de leitura ao qual proponho em Necrópolis, sendo que alguns de doze ou quatorze anos provavelmente consigam ler numa boa. Mas num geral, a faixa é dos adolescentes para um público mais adulto, indo há até os 30 anos ou mais.
MM: Você teme ser comparado com outros autores?
Douglas MCT: Não temo, desde que tais comparações sejam justas. Com certeza eu ficaria muito feliz se fosse comparado a Pullman ou a Gaiman, grandes mestres da literatura fantástica, por mais que não sofra influencia direta de obra ou autor algum. Mas sinceramente não gostaria de ser comparado a Cristopher Paolini ou a Dan Brown, isso sim seria uma ofensa, ainda que os admire por terem conquistas dentro do meio que propuseram.
MM: Qual a qualidade que você mais aprecia nas suas descrições?
Douglas MCT: Eu admiro muito um certo clima de suspense que crio a cada fim de um parágrafo ou frase. Tenho o hábito de manter uma dualidade em tudo o que escrevo e gosto muito disso. Minhas descrições, ao meu ver, não são tão enfadonhas e detalhadas, mas também não são tão vagas e rápidas. Procuro o meio termo e o equilíbrio em tudo na minha vida e na literatura não sou diferente, por mais que em alguns casos eu precise ser ‘mais’ ou ‘menos’.
MM: Existe alguma frase que você gosta de lembrar quando certas coisas na vida não dão certo?
Douglas MCT: “Não é quem eu sou por dentro, mas o que eu faço é o que me define”. Essa frase é do maravilhoso filme “Batman Begins” e é uma das minhas prediletas, tanto que as uso em meu Orkut e MSN. Essa frase diz uma verdade tão grande para mim, que sempre a cito em meu interior quando algum problema surge. Ainda sim, procuro transcender meus limites e, na medida do possível, superar qualquer problema que surja, ou eu piro. Afinal, passei por poucas e boas nessa vida, que dariam um perturbador livro de terror. Mas é melhor seguirmos adiante...
MM: Qual o seu ritmo de trabalho semanal nestes livros?
Douglas MCT: Meu ritmo é meio louco, porque sou uma pessoa um pouco dispersa, o que me atrapalha em qualquer cronograma que eu queira tomar. Quando escrevi a primeira versão de Necrópolis, entre maio a outubro de 2005, o ritmo foi quase diário, sem nenhuma interrupção. No entanto, este ano, quando retomei a obra (para dar o upgrade necessário que a história pedia), notei que não existia um ritmo certo, somente louco. Tem semanas que escrevo todos os dias, mas já passei semanas sem escrever nada, por mais que as idéias tilintem em minha mente e a inspiração permaneça. Sou atarefado demais com várias coisas e isso tem atrapalhado um pouco meu cronograma, ainda que no fim das contas eu sempre consiga entregar tudo no prazo. No entanto, agora que definimos o lançamento de Necrópolis para o primeiro semestre de 2008, eu tenho de correr com esta revisão para entregá-la até o fim do ano e, por sorte do acaso, estou vivendo o melhor momento da minha vida e a obra tem fluído de forma magnífica. Mas sou muito sistemático com algumas coisas e bem organizado, o que me ajuda muito, afinal eu já defini toda a obra até o terceiro livro, com sinopses e trechos prontos. Eu “esqueletei” toda a hexalogia até o sexto livro e sei qual o caminho que culmina para o fim, mas ainda sim prefiro deixar para o decorrer da escrita, no tempo certo, para assim definir como será cada parte dos volumes finais.
MM: Para quem será dedicado o primeiro tomo?
Douglas MCT: Para o meu irmão Danilo Francisco. Sem ele Necrópolis jamais teria existido. Gosto de contar essa história: desde que ele nasceu (em 1999, hoje com sete anos) eu comecei a descobrir o meu maior medo em vida, que existe até hoje e sempre existirá. O medo de perder meu irmão, dele morrer. E como eu ficaria? Sinceramente não sei, mas sei que não seria nada bom. E foi com esse pensamento em mente que tive a idéia de explorar num livro a história de um cara que perde o irmão, a coisa mais preciosa para sua vida, mas que depois ele descobre ter a chance de salvar. Esse conceito me atraiu muito e por cinco anos fui anotando idéias diversas, até definir a história num todo e começá-la a escrever em 2005 (ano também que se inicia a jornada de Verne). Porém, eu escrevi uma página de Agradecimentos, que estará no livro, em homenagem às pessoas que me acompanharam e ajudaram, de alguma forma, para que o livro fosse publicado. E o livro será em Memória de minha avó, falecida no fim de 2005.
MM: Já despedindo e agradecendo pela oportunidade peço que você dê uma dica para aqueles escritores e leitores que estão começando a trilhar o caminho.
Douglas MCT: Acho que minhas dicas não se diferem muito de outros autores, más é o básico: ler muito, ler um pouco mais e procurar ler um outro tanto e acima de tudo ter prazer nisto. Em seguida treinar a escrita, escrever muito, escrever um pouco mais e procurar escrever outro tanto, também com muito prazer. E eu acrescento que procurar a originalidade em seus textos, inicialmente é meio difícil, mas não impossível, porque uma hora ou outra você a encontra. Evitar alguns clichês e/ou transforma-los para que estes se tornem adequados a sua obra também é aconselhável. Finalizando, que os escritores de primeira viajem procurem ler as obras que mais lhe atraem e não aqueles ditados por outros ou professores, pois isso pode trazer mais desprazer do que prazer; cuidado com os livros de “modinhas” (eu digo estes best-sellers de sucesso momentâneo, mas de conteúdo zero) ou grandes clássicos, porém enfadonhos. Procure por leituras que primeiramente lhes agradem, que tenham o perfil de seu gosto pessoal. Depois dêem chance a autores de outros estilos e gêneros e vocês terão a oportunidade de conhecer e viajar por histórias nunca antes imaginadas. E escrevam, sempre.
Alex, mais uma vez eu agradeço pela oportunidade da entrevista e que este blog continue apoiando mais autores, com esse trabalho incrível e de bom gosto. Sucesso e abraços!
Blog Oficial de NECRÓPOLIS:
http://necropolis-vf.blogspot.com/
Comunidade Oficial de NECRÓPOLIS:
http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=20725294
Teaser-Trailer do livro:
http://www.youtube.com/watch?v=5947zO5_kV0
Contos de Douglas MCT:
http://recantodasletras.uol.com.br/autor.php?id=14019
Leia abaixo o prólogo na íntegra do livro NECRÓPOLIS - A Travessia da Fronteira das Almas, de Douglas MCT:
PRÓLOGO
Condado de Braşov, 1910
Depois de atravessar aquele vasto campo a cavalo, o homem finalmente avistou o casebre, o estábulo e sentiu o cheiro da morte.
O tempo estava chuvoso naquele fim de tarde invernal. O homem trajava uma túnica preta, uma bolsa de lona e um odre preso à cintura. Ele havia levado mais de três horas de viagem até aquela região remota, mas tinha sido convocado tarde demais. Há uma semana o Ordinário local havia solicitado a presença do presbítero sobre uma possível possessão, ao qual ele veio a pesquisar minuciosamente, a ponto de julgar prudentemente a existência de uma influência maligna e diabólica no local e numa das pessoas da família.
Ele foi atendido pelos pais do garoto, o senhor e a senhora Raugust. Estavam pálidos, trêmulos, muito assustados e com os seus olhos verdes esbugalhados. O casal já o aguardava, mas mesmo assim o senhor Raugust quis confirmar:
- Sacerdote Dimitri Adamov?
- Sim, senhor. Farei o possível para salvar seu filho!
Dadas as devidas mesuras, o homem de aparência robusta e vívida adentrou o casebre. Com uma das mãos retirou um crucifixo de bronze pendurado ao pescoço, bebeu o último gole da água santa e depois abandonou o seu odre sobre uma cômoda. Repentinamente parou sobre o corredor quando sentiu o clima lúgubre ao redor. A senhora Raugust recostou-se sobre a porta, desesperada e aos prantos, enquanto seu rígido esposo se dirigia ao homem.
- Quer ver os corpos, antes?
- Sim, senhor.
Sem hesitar, o senhor Raugust abriu a velha porta de madeira ao lado e o homem entrou. Haviam quatro corpos estirados com lençóis amarelados cobrindo-os. O primeiro corpo foi apresentado como o da senhora Manastarla, a velha que cuidava dos garotos. O segundo era da pequena Ana Mandoju, a prima. Os terceiros e quartos corpos eram dos jovens irmãos Branzan, vizinhos e amigos da família. O homem manteve-se firme pela cena trágica e ao odor de decomposição, beijou seu crucifixo e avaliou cada um cuidadosamente, levando pouco mais de uma hora até chegar as suas conclusões. Na senhora Manastarla ele notou arranhões nos braços e nas pernas, além de um machucado na nuca, onde o sangue já havia secado. Na pequena Ana, pode notar marcas das mãos do garoto em seu pequeno e delicado pescoço. Os irmãos Branzan tinham feridas por todo o corpo, como se tivessem lutado, mas o primeiro estava com a garganta cortada e o segundo tinha um rombo enorme no estômago.
O homem aproximou-se do senhor Raugust e lhe apresentou as evidências:
- A velha foi assassinada enquanto contava-lhe uma história de ninar, ou estava dando-lhe as costas – o senhor Raugust assentiu e o homem continuou: - A garota foi enforcada enquanto dormia e os irmãos foram assassinados quando brincavam com ele. Não sei ao certo. Talvez tenham lutado pela vida e provavelmente sofreram muito antes de morrer. – um aperto enorme crescia em seu coração, repleto de tristeza e um medo, antes inexistente.
O senhor Raugust cobriu a face com as mãos, recostando-se sobre a parede, as pernas trêmulas, um choro discreto e um desespero maior aparente. O sacerdote, porém, já havia visto cenas assim em outras missões. Dimitri Adamov fazia parte da Ordem dos Senhores dos Céus, uma seita de exorcistas que passavam a vida confrontando demônios e espíritos malignos, exorcizando-os com a aprovação indireta do Papado, já que recebiam as chamadas do Bispo diocesano local. Todos os homens da seita viviam confinados num templo isolado da região. Faziam votos de castidade e clausura e, dentre eles, Dimitri era o único que havia sido um Padre no passado. Os sacerdotes da ordem praticavam um estilo peculiar de exorcismo, que não as contidas no Rito do Sumo Pontífice Leão XIII. Era um exorcismo praticado de forma mais objetiva e brutal, porém tão eficiente quanto o outro. Dimitri já havia realizado sete exorcismos em sua vida e, em cada um deles enfrentou situações diversas e confrontou espíritos menores e anjos apóstatas. Sempre foi vitorioso em cada uma de suas missões. No entanto, o caso ao qual se deparava, era completamente diferente dos que já tinha visto. A crueldade e astúcia eram tamanhas, que ele temia a criatura que possuía o jovem antes mesmo de enfrentá-la.
Dimitri havia pedido ao pai do jovem que o levasse até o quarto. Antes de entrar, parou defronte a porta e iniciou uma oração, com a mão direita sobre o ombro do senhor Raugust e a esquerda segurando o crucifixo, seus fortes dedos passavam aleatoriamente pela forma mítica do objeto de bronze. Ele abriu a porta e adentrou o quarto, deparando-se com o medo em suas mais altas circunstâncias. Jacob Raugust, o garoto possuído, estava com os punhos e tornozelos presos com correntes na cama. Sua tez estava podre, machucada e fétida. Os lábios estavam cortados, alguns dentes estavam quebrados e ele babava um pouco uma gosma esverdeada. Sua cabeça tremia de tempos em tempos e inclinava-se para a esquerda, chegando encostar a orelha no ombro. Seus olhos macabros e penetrantes fitavam os do sacerdote. Francis, o irmão caçula, dormia tranqüilamente na cama ao lado.
O senhor Raugust, ao perceber a agitação da esposa vindo em direção ao quarto, tranca à porta e recosta-se sobre ela, jogando todo o seu corpo, como se quisesse segurá-la e impedir que uma força maternal a atravessasse, ainda que soubesse que a senhora Raugust era magra e frágil, sendo incapaz de quebrar uma porta. De qualquer forma, o pai dos garotos apenas queria permitir ao exorcista que este fizesse seu trabalho em paz, sem interrupções.
Primeiro Dimitri se aproximou de Francis. O garoto deveria ter entre nove ou dez anos e possuía uma face angelical. O sacerdote pode notar que ao redor do pequeno Francis uma aura de paz predominava. Era como se nada estivesse ocorrendo naquela casa, era como se ninguém tivesse morrido, era como se ele não tivesse presenciado nada. Isso surpreendeu e aquietou o coração do homem por alguns segundos, que retirou de sua bolsa um minúsculo frasco de vidro contendo uma água bentificada, na qual os exorcistas da Ordem dos Senhores dos Céus acreditavam possuir uma proteção divina. Ele derramou a água ao redor e sobre o corpo de Francis, que em sua crença, era como se estivesse fazendo algum tipo de “círculo de proteção divinal”. Em seguida retirou um ramo de sapindácea e colocou sobre o peito do garoto. Em seguida orou:
Gloria Patri et Filio et Spiritui Sancto.
Sicut erat in principio et nunc et semper,
et in saecula saeculorum. Amen.
Todas as orações feitas pelos membros da Ordem dos Senhores dos Céus eram realizadas em latim, a qual eles acreditavam ser uma “língua poderosa” e peculiarmente mais apropriada para enfrentar seres demoníacos. O sacerdote ia repetir a oração mais duas vezes para reforçar a proteção, mas logo foi interrompido por uma voz sinistra e gutural:
- Dimitri?
Ele apavorou-se. A entidade havia descoberto seu primeiro nome e isso, para um exorcista, era de uma periculosidade enorme, pois os demônios ou espíritos malignos poderiam dominá-lo caso descobrissem o nome completo e o seu passado. Antes que a entidade o indagasse mais, ele virou-se e se dirigiu até a cama do possuído. O sacerdote pode ver que Jacob não era nada mais do que um pré-adolescente e não tinha mais do que quatorze anos de idade. O jovem mantinha seus olhos fixos ao dele, enquanto sua língua passava lentamente entre os lábios entrecortados e a baba esverdeada escorria.
A aflição de Dimitri só aumentou quando o senhor Raugust começou a soluçar de pavor. Sua esposa continuava cada vez mais desesperada no corredor, batendo com fúria sobre a porta. Repentinamente, o possuído tentou dar saltos no colchão, estremecendo a cama e fazendo com que as correntes tilintassem. Sua cabeça tremia com mais intensidade, os dentes rangiam e seus olhos viravam. Ele fazia uma força enorme para tentar se soltar. O sacerdote tentou se acalmar e ajoelhou ao lado da cama, próximo ao rosto de Jacob. Retirou mais uma vez seu crucifixo de bronze e o segurou com a mão esquerda. Com a mão direita ele retirou outro frasco com água bentificada e jogou pela tez do possuído, em seguida, iniciou o exorcismo:
In nomine Patris, et Filii, et Spiritus Sancti. Amen.
Pater noster, qui es in caelis:
sanctificétur nomen tuum;
advéniat regnum tuum;
fiat volúntas tua, sicut in caelo, et in terra.
Panem nostrum cotidiánum da nobis hódie;
et dimítte nobis débita nostra,
sicut et nos dimíttimus debitóribus nostris;
et ne nos indúcas in tentatiónem;
sed líbera nos a malo. Amen.
In nomine Iesu Christi Dei et Domini nostri, intercedente immaculata Vergine Dei Genetrice Maria, beato Michaele Archangelo, beatis Apostolis Petro et Paulo et omnibus Sanctis, et sacra ministerii nostri auctoritate confisi, ad infestationes diabolicae fraudis repellendas securi aggredimur.
Durante o exorcismo, Dimitri balançava seu crucifixo defronte aos olhos do possuído. Ele repetiu o ritual por mais seis vezes, até que então, aconteceu.
Pela vidraça da janela, o sacerdote pode ver o céu escurecer, ganhando um tom rubro-enegrecido, uma forte tempestade se iniciar e o som espectral da chuva de relâmpagos. Seu coração palpitava a ponto dele temer um infarto. Suas palmas suavam e seus pensamentos se confundiam em fluxos mentais distorcidos. Ele notou que pela primeira vez em anos, aquela era a primeira missão que lhe dava medo e insegurança. O possuído solta um espirro e com isso o ar começa a exalar a enxofre, dominando todo o quarto. Segundos depois se inicia um tremor na casa que só terminaria ao fim do exorcismo. O vendaval no campo criava zumbidos apavorantes aos ouvidos do sacerdote, como se um espírito infernal murmurasse sobre seus ombros um cântico satânico.
Passados alguns minutos, Dimitri se recobrou.
- Dimitri? – disse o possuído. – Eu conheço o seu passado!
O sacerdote sabia que era estritamente proibido conversar com entidades possessivas, pois estas poderiam lhe dominar. No entanto, alguns anos atrás, ele havia conhecido um renomado bispo que lhe deu conselhos valiosos, que naquele momento ele pretendia praticar. Dimitri sabia que, se descobrisse o nome completo da criatura que confrontava, ele poderia dominá-la, antes que essa o fizesse. Era um grande risco, ele também sabia, pois para isso ele tinha de iniciar um diálogo com a entidade. Depois de hesitar por alguns segundos perante aquela situação tenebrosa, o sacerdote finalmente tomou sua decisão.
- Revele-me seu nome, espírito das trevas! – ordenou Dimitri.
- Espíritos estão sob as minhas ordens! – retrucou o possuído.
- Revele-me seu nome, demônio! – tornou a ordenar.
- Eu sou o Grão-Duque! – em seguida o possuído sorriu, mostrando sua arcada dentária maligna. – O mais importante e poderoso da região Sul do Inferno!
- Revele-me seu nome, demônio! – repetiu Dimitri.
- Eu sou o anjo caído coroado! Eu sou aquele que domina o dragão e a serpente!
- Revele-me seu nome, demônio!
- Eu sou aquele que mostrou a morte a Caim! Eu sou aquele que tentou o sábio Salomão ao pecado e o levou a decadência! Eu sou aquele que sussurrou a traição nos ouvidos de Judas!
O pavor tomou por completo o corpo e a mente do sacerdote. Porém, ele mantinha uma postura falsa de segurança. Dimitri sabia estar lidando com uma entidade superior. Ele jamais em sua vida havia confrontado uma criatura como aquela, de hierarquia elevada. Dimitri temia pela vida de Jacob, pela vida de Francis, pela vida do senhor e da senhora Raugust. Dimitri temia por sua própria vida. O sacerdote resolveu indagar o possuído:
- Você é Mastema?
- Mastema é inferior a mim. Já foi subjugado. Eu não sou Mastema!
- Você é Valafar?
- Valafar foi destruído pelas minhas Chamas! Eu não sou Valafar!
- Você é Legião?
- Legião é meu Criado fiel! Eu não sou Legião!
- Você é Belial?
- Belial é o Senhor da Terra e do Norte! Eu não sou Belial!
- Você é Leviatã?
- Leviatã é o Senhor das Águas e do Oeste! Eu não sou Leviatã!
- Você é Lúcifer?
- Lúcifer é o Senhor dos Ares e do Leste! Eu não sou Lúcifer!
Dimitri chegou à conclusão de que jamais descobriria o real nome da criatura. O velho casebre balançava ao forte vento demoníaco que ocorria por fora e logo desabaria sobre suas cabeças. Foi naquele momento que o sacerdote resolveu fazer seu último ato:
In nomine Patris, et Filii, et Spiritus Sancti. Amen.
In nomine Iesu Christi Dei et Domini nostri, intercedente immaculata Vergine Dei Genetrice Maria, beato Michaele Archangelo, beatis Apostolis Petro et Paulo et omnibus Sanctis, et sacra ministerii nostri auctoritate confisi, ad infestationes diabolicae fraudis repellendas securi aggredimur.
O possuído consegue arrebentar a corrente que prendia seu braço direito e agarra o pescoço do sacerdote, sufocando-o aos poucos. A força que o jovem havia ganho com a presença corpórea da entidade era sobrehumana. Dimitri olhou fixamente nos olhos de Jacob e pode ver o ano, a hora e como morreria no futuro. No entanto, ele sabia que aquele não era o momento de sua morte e continuou suas orações em latim. O possuído começa a forçar o braço esquerdo para livrar-se, porém o pai do garoto postou-se sobre o seu corpo, tentando impedí-lo.
- Dimitri Adamov! – trovejou a entidade.
- Você não tem poder sobre mim, demônio! – retrucou o sacerdote, corajosamente, sabendo que a criatura havia descoberto seu nome completo e poderia dominá-lo.
- Sua alma me pertence, Dimitri Adamov!
Naquele instante, o senhor Raugust conseguiu retirar os punhos de seu filho do pescoço do sacerdote. Dimitri repetiu mais uma vez a oração, depois enrolou seu crucifixo de bronze em sua mão esquerda e beijou a testa de Jacob, onde permaneceu por alguns segundos. A senhora Raugust gritava desesperada fora do quarto, batendo com as poucas forças que tinha contra a porta. O possuído consegue arrebentar a corrente do braço esquerdo, escapando do domínio de seu pai, que num movimento ágil de Jacob é atingido fortemente com a corrente sobre o peito e jogado contra a vidraça da janela, morrendo na hora! Com outro movimento veloz, o possuído agarra a gola da túnica do sacerdote e joga-o contra a parede, do outro lado do quarto. Atordoado pelo impacto e depois a queda, Dimitri pode ver uma cena ao qual jamais esqueceria em vida: uma sombra saía vagarosamente de Jacob e planava acima da cama, onde o desfalecido corpo do garoto caía. A sombra possuía olhos de um amarelo nítido, com pupilas que lembravam as de um ofídio e tinha quase dois metros de altura. Os cabelos da criatura eram como serpentes vivas e ferozes, existiam dezenas delas. Nos punhos da sombra ele pode ver garras letais, que moviam os dedos como se há séculos não as usasse. A criatura o fitava, como se pudesse ler a sua alma. Dimitri não conseguiu ver outros detalhes daquele ser espectral e logo desmaiou.
O sacerdote acorda no mesmo lugar onde havia caído e descobre ter se passado mais de seis horas. A senhora Raugust e mais um homem alto e magro, que depois descobriu-se ser o irmão desta – senhor Mandoju, pai da falecida Ana –, já tinham adentrado o quarto, a porta ao lado estava arrebentada e aos pedaços. Dimitri supôs que provavelmente foi o irmão dela quem havia feito tal arrombamento. A senhora Raugust chorava sobre o corpo morto do marido, enquanto que o senhor Mandoju indagava o sacerdote sobre o que havia ocorrido durante a sessão de exorcismo. Minutos depois a mãe dos garotos se juntou a eles.
Dimitri Adamov não revelou em detalhes todos os acontecimentos do exorcismo de Jacob, pois era confidencial para leigos como eles. No entanto lhes contou algumas situações e fenômenos que havia presenciado. Outros fatos ele preferiu omitir. O senhor Mandoju curou os ferimentos do sacerdote e depois o abraçou em agradecimento, pois o jovem possuído não estava mais sob o domínio da entidade e agora se encontrava na cama vivo, porém enfermo. Meses mais tarde, Dimitri viria a descobrir que Jacob havia morrido, por não conseguir curar-se da forte febre que dominou seu corpo após a possessão e, sua mãe viria a falecer duas semanas após, porém o obituário não soube dizer a causa mortis, que desconfiaram provir da loucura que havia tomado a senhora Raugust. Então Francis havia sido levado para morar num condado próximo com seus tios, o senhor e a senhora Mandoju, que se tornaram seus responsáveis por lei.
A senhora Raugust fez-lhe o pagamento que depois Dimitri depositaria nos cofres sagrados do monastério. O sacerdote partiu com seu cavalo num tempo amenizado ao cair da madrugada. O cheiro da morte e o ambiente fúnebre abandonavam aquele casebre aos poucos. A dor e tristeza em seu coração, porém, jamais cessariam. Junto com ele caminhavam seus pensamentos: um era a curiosidade, o outro uma omissão. A curiosidade que permeava sua mente era o fato de Francis ter sido poupado dos ataques assassinos do possuído. Na sua concepção nada fazia sentido, nada se encaixava. Por que justamente um garoto frágil e tão próximo do irmão não fora atacado?
O seu outro incômodo era ele ter omitido da senhora Raugust o fato de que Jacob não havia sido, exatamente, salvo da possessão. Na verdade, o exorcismo de Jacob Raugust havia sido um fracasso. A missão de Dimitri havia sido um fracasso. O sacerdote não havia destruído o poderoso demônio que habitava o corpo do jovem. Ele o havia libertado!