segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Melancólico Mundo Entrevista Ana Lúcia Merege


Ana Lúcia Merege é carioca e autora de “ O Caçador”, “O Jogo do Equilíbrio” e um ensaio intitulado “Os Contos de Fadas: origens, história e permanência no mundo moderno.”
Atualmente ela está trabalhando em uma trilogia fantástica nomeada “O Castelo das Águias”, vamos conhecer um pouco esses livros e sua autora:



MM: Olá Ana, quero agradecer e parabenizá-la pelo seu trabalho. Poderia nos contar quando descobriu que queria ser escritora.
Ana Lúcia: Bom, eu escrevo desde pequena – pequena mesmo, seis ou sete anos – mas só comecei a pensar em ter a escrita, nem direi como profissão mas como principal atividade, por volta dos 16, 17 anos. Nessa época ainda não havia me decidido pela Fantasia, preferia ficção histórica.



MM: Você é formada em quê e onde trabalha atualmente?
Ana Lúcia: Sou formada em Biblioteconomia, Mestre em Ciência da Informação e trabalho na Biblioteca Nacional, a maior da América Latina. Com muito amor e orgulho.



MM: Antes dos trinta anos você escreveu uma obra chamada “A Irmandade”, pode nos falar um pouco sobre ela?
Ana Lúcia: É um romance de formação passado em Athelgard, o universo que seve de cenário a todas as minhas histórias. É um livro extenso, tem mais de 600 páginas em Word. O protagonista é um adolescente que se prepara para ser Preste – ou seja, sacerdote: é como se fosse um seminarista – e que através de vários conflitos descobre o verdadeiro sentido de ser irmão, de ajudar pessoas, de lutar por elas (e ao mesmo tempo pelo que ele mesmo quer para si). O engraçado (ou não?) é que, embora seja uma história de Fantasia, não aparece nenhum mago, nem Magia, nem guerreiros, nem Elfos, nada disso, apesar de todas essas coisas existirem em Athelgard. Só aparece gente do povo – principalmente saltimbancos e artesãos - fazendo coisas bem comuns. E eu acho que funciona, embora, é claro, o livro esteja longe de estar maduro para publicação.


MM: Quais histórias são contadas n’ “O Caçador” e “O Jogo do Equilíbrio”?
Ana Lúcia: “O Caçador” revisita vários contos de fadas, a começar por “Branca de Neve”, de onde sai o personagem título. “O Jogo” é sobre um saltimbanco (o pai do Alain, protagonista de “A Irmandade”) que, precisando pôr comida na mesa, resolve fazer um número arriscado na corda bamba. A partir daí, desenrola-se uma situação de perigo, da qual ele vai sair com talento e criatividade. Quem leu até agora gostou bastante.


MM: Qual o seu autor(es) e livro(s) preferido(s)?
Ana Lúcia: Meu preferido, que me inspirou a continuar a escrever e a acreditar em meus sonhos, foi “A História Sem Fim”, de Michael Ende. Também gosto de “A Lua da Rena”, de Elizabeth Thomas (adoro ficção passada na Pré-História), de “O Jogo das Contas de Vidro”, de Herman Hesse, de “O Hobbit” e “O Senhor dos Anéis”, de Tolkien, dos livros de Earthsea e de “Always Coming Home”, de Ursula Le Guin... É difícil citar mais, porque sou uma leitora voraz e bastante eclética!


MM: Se você fosse uma criatura mágica, qual seria?
Ana Lúcia: Difícil. Mas creio que gostaria de ser uma fada. Daquelas pequenininhas, como a Sininho.


MM: Você acredita em magia?
Ana Lúcia: Sim. Mas a Magia é para mim algo muito sutil, ligado à vontade e à vibração das pessoas e à energia que existe em de todas as coisas. Na maior parte das vezes é imperceptível. E é melhor que seja assim.


MM: Hoje você está empenhada na Trilogia O Castelo das Águias. Se eles já têm
títulos, quais são elas?
Ana Lúcia: “O Castelo das Águias” é o título do primeiro livro e não da trilogia, embora eu a chame assim por não ter um nome que sirva a toda a série. O segundo livro se chama “Um Ano e Um Dia” e o terceiro “A Fonte Âmbar”. Mas haverá mais livros depois: pelo menos um quarto livro mais longo, seqüencial aos três, e vários outros reunindo contos ligados ao Castelo e a seus habitantes.


MM: Quais são os personagens principais e qual deles você mais gosta?
Ana Lúcia: Anna de Bryke, a Mestra de Sagas, e Kieran de Scyllix, um dos magos, que trabalha com Magia do Pensamento. São os principais e meus prediletos.


MM: A trama se passa em uma Escola de Artes Mágicas, qual é o fio condutor da trilogia e quais são os cenários mais importantes?
Ana Lúcia: Bom, vários autores criaram Escolas de Magia: Rowling, Le Guin, Terry Pratchett e muitos outros. Cada uma tem suas características. A minha foi criada com base na idéia de que a Arte pode servir como catalisador para despertar o Dom da Magia em pessoas “comuns”, então nessa Escola as pessoas aprendem primeiro com artistas e artesãos e só depois com os magos. Mas só o livro 1, dos primeiros três, se passa todo na Escola; os dois outros narram aventuras de Anna e Kieran, os personagens principais, em outras regiões de Athelgard.
Prefiro não me alongar nas tramas, mas tudo começa quando Anna aceita o convite para ser a Mestra de Sagas da Escola. A partir daí, rolam várias aventuras, um pouco de romance e alguma matéria para reflexão. Sinceramente, acho que está bem legal.


MM:Caso você use como base alguma mitologia, qual é?
Ana Lúcia: A nórdica, pois parte das pessoas que vivem em Athelgard são descendentes de Elfos e Vanir que teriam ido para lá antes do Ragna-Rok nórdico. Assim, a religião deles tem algumas práticas e principalmente livros sagrados que falam nos deuses nórdicos (que em Athelgard não são Deuses, mas sim Heróis lendários – no mesmo nível dos santos católicos, para fazer uma comparação). No entanto, eu pesquiso várias culturas para criar bases para os vários povos de Athelgard. O pessoal do “Jogo do Equilíbrio”, por exemplo, é inspirado nos mouriscos do Reino de Granada.


MM: Veremos grandes guerras, lutas ou desafios? Você guarda algum segredo inesperado para o fim das histórias?
Ana Lúcia: Grandes guerras, não: elas são o pano de fundo para combates de cunho mais particular. Desafios, sim, mas nada muito bombástico. Quanto a segredos... essa eu passo. Só lendo para saber.


MM:
Geralmente autores usam alter-egos como personagens, Hermione Granger é o alter-ego de J.K.Rowling, Robert Langdon é o de Dan Brown . Você já criou um personagem que fosse o seu eu literário, se sim, qual é e onde podemos encontrá-lo?
Ana Lúcia: Sim, no momento é Anna de Bryke, mas você pode encontrar reflexos meus em vários cronistas, poetas, escritores e contadores de histórias espalhados em toda Athelgard.


MM: O que esperar de “O Castelo das Águias”?
Ana Lúcia: Uma história ágil, bem-contada e com personagens interessantes.


MM: Para que faixa etária esta série estará sendo destinada?
Ana Lúcia: Jovens a partir de 11, 12 anos e daí para cima. Acho que é um pouco densa para os mais novos.


MM: Você teme ser comparada com outros autores?
Ana Lúcia: Temer, não, mas eu sempre estou tendo que afirmar que só porque minha história se passa numa Escola de Magia isso não significa que seja uma cópia de “Harry Potter”. Hogwarts tem as características de uma boarding school britânica tradicional, enquanto na Escola de Artes Mágicas os aprendizes seguem caminhos individuais. A forma de tratar a Magia também é muito diferente, é baseada na noção da Forma-Pensamento, sem falar na ligação entre a Arte e a Magia. Enfim... gostaria que não rotulassem meus livros sem lê-los, como algumas pessoas costumam fazer.


MM: Qual a qualidade que você mais aprecia nas suas descrições?
Ana Lúcia: A capacidade de conseguir que o leitor se imagine dentro de uma cena (pelo menos eles me dizem que conseguem!) sem ter tido que descrever o cenário exaustivamente, mas apenas os traços gerais e eventualmente um ou outro detalhe.


MM: Existe alguma frase que você gosta de lembrar quando as certas coisas na vida não dão certo?
Ana Lúcia: Uma de Fernando Pessoa: “Deus ao mar o perigo e o abismo deu/mas nele é que espelhou o céu”.
E uma que tem numa música de Jon Anderson (ex-vocalista do Yes): “You may not always see me win/doesn´t mean I won´t be dreaming/I can stand as tall as the sky with this feeling.”


MM: Qual o seu ritmo de trabalho semanal nestes livros?
Ana Lúcia: Procuro escrever todos os dias, mas em um ou outro, eventualmente, não consigo, ou não consigo produzir muito. “A Fonte Âmbar” está indo em um ritmo mais lento, mas isso é normal por ser um livro com mais personagens e onde há maior mudança de ambiente – eu preciso pensar mais no que vem a seguir.


MM: Para quem será dedicado cada tomo?
Ana Lúcia: Todos serão dedicados a meu marido, minha filha e aos amigos queridos que leram, opinaram e me aturaram falando de magos e castelos este tempo todo. Já posso citar alguns nomes: Thiago Paranhos, Rodrigo Santos, Raíssa Alonso, Adriana Paz, Rodrigo Beauclair e Vânia Vidal, bem como o pessoal da comunidade de Escritores de Fantasia do Orkut, em especial Ana Cristina Rodrigues.


MM: Já despedindo e agradecendo pela oportunidade peço que você dê uma dica para aqueles escritores e leitores que estão começando a trilhar o caminho.
Ana Lúcia: Leiam muito, em todos os gêneros, e façam da escrita uma atividade diária. Muitos de nós nascem repletos de histórias para contar. Mas ninguém nasce escritor: a escrita é um processo lento que envolve o aprendizado, o aperfeiçoamento e a prática constante.
Poderia dizer também para não se deixarem abater por críticas e pelo pessimismo do tipo “ninguém consegue publicar no Brasil”. O desânimo pode surgir momentaneamente, mas é preciso respirar fundo e ir em frente, acreditando que algo de bom vai acontecer. Porque, se a gente se empenhar, acontece mesmo, embora nem sempre do jeito que esperaríamos. Não desistam dos seus sonhos!



Leia abaixo um trecho do livro “O Jogo do Equilíbrio” de Ana Lúcia Merege.

- Senhoras e senhores, solicito sua atenção para a minha proposta.
Trata-se de um jogo, e vou explicar-lhes rapidamente quais são as regras.
Bem, muitos de vocês devem ter visto meus espetáculos, ao longo de vários anos, na nossa ensolarada Pwilrie. Por isso, acredito que muitos estejam pensando: “Ora, ele não está correndo riscos, está mais que acostumado a essas coisas”. Sei também que, a par dos amigos e simpatizantes aqui presentes, há entre vocês pessoas que me consideram impertinente, antipático e outras qualidades ainda menos desejáveis. De fato, sei que tenho diante de mim pessoas que adorariamme ver cair da corda durante o número.
Fiz uma pausa, olhando incisivamente para Rupert, que engoliu em seco e trocou um olhar desolado com seus amigos. Devia estar amargamente arrependido de ter feito suas bravatas diante de Luc.
- Pois bem, meus caros - prossegui, olhando por sobre a multidão. - Tendo em vista todas essas circunstâncias, decidi, pela primeira e talvez pela última vez, dar a essas pessoas a oportunidade de me ver cair - e, mais ainda, de me fazer cair -, participando ao mesmo tempo deste espetáculo. Como, vocês perguntam? Muito simples. Lá embaixo, à direita, estão meus amigos, com algumas bolas de madeira. Elas não são pesadas, mas o impacto de uma dessas bolas, atirada à distância, pode muito bem desequilibrar um homem em pé sobre uma corda tão fina como esta. Já compreendem? Vejo que muitos de vocêsjá entenderam. Pois é isso mesmo, senhoras e senhores. Por apenas um dirande bronze, ou seja, quinze pinns, qualquer um de vocês pode me atirar uma dessas bolas, e aquele que me fizer cair receberá a soma de cinco dirans de ouro. É, é claro - acrescentei, tentando me fazer ouvir por sobre os gritos excitados - os amigos também podem participar, atirando bolas para mim e não contra mim; mas aqueles a quem incomodam o meu sucesso, o meu carisma e aminha habilidade...
- Buuuuuu! - Eram as vaias bem-humoradas que eu já esperava.
- ... Para esses, haverá uma oportunidade única de me ver falhar pela primeira vez. Então? Quem é candidato a participar do jogo?
- Eu! Eu! Eu! - gritaram várias vozes, e um grande número de pessoas cercou Mariotte e os meninos. Notando a confusão, Piers e dois ou três outros amigos correram para ajudá-los, enquanto Giflet atiçava os ânimos, gritando a plenos pulmões que queria ser o primeiro a me derrubar. Naturalmente, como pouca gente sabe que passamos de rivais a amigos, muitos acreditaram que falava a sério, e correram para entregar o dinheiro e garantir sua oportunidade.
- Calma! - recomendei, erguendo os braços. Nada de tumulto, amigos. Organizem uma fila e façam suas apostas. As bolas que conseguir pegar, eu devolverei, e creio que haverá para todos os interessados. Ah, sim! Mais umacoisa. Para fazer tudo com calma, irei até o meio da corda, e só então vocês atirarão, um de cada vez. E um último favor, meus caros. Não atrapalhem os demais competidores. Àqueles que estiverem na fila, peço que esperem o seu turno, e ao restante do público peço que se abstenha de atirar seja lá o quefor, ovos, legumes, flores ou pedras. Isso, é claro, com uma exceção -acrescentei, em tom malicioso. - As belas podem começar, desde já, a atirarbeijos!
Risos e aplausos se ergueram da multidão, junto com vaias, promessas de me fazer cair e até os beijos que eu sugerira. Ri por dentro e por fora, feliz em ver que ninguém ficara indiferente. Mais uma vez, eu tinha o público na mão.


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